Minha
alma, minha fama, roupas minha Alfama jogadas ao Tejo. Amarrotadas de solidão,
ruas e sol, sobre as pedras o caminho entre cores, a chuva absorve o olhar. O
seco da boca, a dor dos pés, a trilha que leva do lado de lá da ponte. A ladeira
dos sonhadores, o comboio leva a dor das paixões, o fado a cantar, música ao
léu, um corredor de flores, dor que molha e seca na Alfama. Três nomes no
pensamento: Partir, Voltar, Nadar. Um longe, um perto, o sonho que dorme e
acordes da viola nos passos que some no alto da cidade. Todos os olhares ao
rio, um dia morei em ti. O que une e separa é o oceano que penetra no Tejo até
a dor dissipar o medo do passado.
sábado, 30 de dezembro de 2017
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
Tabuleiro de cores
Salvador Dalí
O preto no
branco, o branco no teto, o trato mal das ideias,
O branco e
preto, o feto, o acerto de contas, o branco dita – regras – dura e purifica
linguagem, limpa o chão por onde pisa.
O preto e o
branco nos afetos, acerto histórico, a morte é o fim. Todas as cores no céu,
sem luta não existe arco-íris.
O branco é a
ordem, a bandeira é da liberdade, a história é preta e branca, todas as cores,
todos os olhos, linguagem é o que faz da vida o tabuleiro da imaginação.
Amor à vida,
olhos desnudos, corpo por cima, todas as cores feminino-masculino, o viés une os dois. Formas de expressar, diversidade de ver, recusar, deixar o céu
da boca, saliva da LIBERDADE.
Foto: Fátima Marchi – Tabuleiro de Reis
Foto: Fátima Marchi – Tabuleiro de Reis
terça-feira, 7 de novembro de 2017
A Fala Cotidiana contra a Verdade
“O
mundo inteiro nos é oferecido, mas por meio do olhar.”
Maurice
Blanchot
Por
aqui, no país de orientação religiosa pós-liberal, na capital, Porto Alegre, um
movimento pela moralidade parece estar além dos deuses; no lugar das decisões
mitológicas prevalece a orientação de ordem político-social-moralista. O que
deseja implantar como normal e, quiçá, lei, no futuro,vedar olhos em nome de um
pretenso desejo de punição aos que pensam contrário. Fadiga dos tempos, o
moralismo toma conta do corpo que pensa sem a razão e leva à força toda a diferença
na guilhotina do espetacular. Em tempo de democracia o que cair na rede é
válido, até as frustrações de um espírito conservador, que, em forma de ironia,
sacraliza o cotidiano. Para eles, os moralistas, a arte deve ser controlada por
guardiães do bom costume, como se o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, além
de pastor, tomasse o controle dos corações e dissesse o que é o lado bom e o
lado mau das cabeças.
Na
cultura Ocidental o tema é recorrente, desde que a mitologia foi tomada de
assalto pelo racional, isso lá distante, na Grécia da epopeia, no lugar em que
existia o mito que se fundiu com o racional, o pensamento se formou. Um mundo
vive de idas e vindas, mas não permitir que o mito tome conta do “sagrado”
invenção para dominar o racional em relação ao medo do mito, o homem se formou.
A educação, no entendimento dos que pensam que tanto faz existir o histórico, o
lado mais obscuro do homem está na sua cabeça. Foi criado o bem para eliminar o
outro lado. As religiões monoteístas controlam tudo, menos a tara do
conservador, nem a gula dos ditadores. Aqui, o ditador moral, o que move o
mundo sendo movido por sua tentativa de cura ao se salvar da morte. Momentâneo.
O homem é um passo do desconhecido. Sou do lado anárquico da humanidade. A
cultura no seu confinamento moralista empobrece o crivo do pensar. Nem mesmo se
tem mais diálogo quando, hoje, na contemporaneidade, se lavam as mãos em nome
da purificação do espírito, impondo um lado que, para mim, o grotesco é parte
desse lado, então, uniformizar as mentes é uma forma de controle do olhar, uma
forma de vigiar na paz democrática, no medo do desconhecido. Ao falar um pouco
das origens, a partir da leitura e do ver cinematográfico, do olhar perdido no
horizonte, sinto-me distante cada vez mais do cinismo democrático e religioso
deste século.
Não
sinto saudades do que vivi, a corrente da vida é parte do cotidiano que escapa
das mãos do guardião social. Tem uma saída, o possível está na insignificância
da linguagem, burlar os olhos, desvelar os véus, mostrar a dor da realidade que
já cansou da simples nudez, mostrar o que tem por dentro, pois todo significado
pode forjar novas linguagens e embaralhar os códigos do guardião.
Egon Schiele - Two Women Embracing
domingo, 22 de outubro de 2017
Amplidão Mínima
Fonte: Zacharias Martin Aagaard
[...] seu crescimento é doloroso como o de um menino e triste como o começo da primavera.” Rainer Maria Rilke
Eu não minto, não meto,
Descubro linhas, acerto, perco o tempo,
Encontro os pontos, absurdo na meta,
Desconto a vida em linha reta.
Sinuosidade da morte:
Acho o lúdico, súbito, mordo língua,
Nado a esmo, lá no fim águas,
Olhos vivos nas algas da solidão,
Enfio mãos, naufrago em Mar de Espanha.[1]
Afundo sonhos, renovo ideias, conto histórias,
Faço o cerco, prolongo a narrativa, escapo da morte,
Invento mundos, amplio a visão, mato tempo em vão,
Invento mundos, amplio a visão, mato tempo em vão,
Encontro espaços entre o Nada e o tempo de viver.
Histórias forjadas, atos do pensamento, nada perdido,
Livros lidos nunca escritos, sonho noutros lugares,
Vivo distante do meu lugar, destino no acaso faz-me errante.
Nunca saio do meu canto antes de olhar a fadiga das
paredes.
O ser não envelhece no tempo, é mais velho que a morte
dos pensamentos.
sexta-feira, 6 de outubro de 2017
Sem discípulos
“Objeto é
apenas o que pode ser ocupado e abandonado.”
Peter
Sloterdijk (Esfera I – Bolhas)
Nenhum homem, nenhum momento, nem a flor do
pensamento, meio olho e uma frota de navios imaginários a se perder na linha do
tempo. De nunca mais poder retornar à terra segura, mesmo sendo o que ilumina
as ideias, anda, por ora, a procurar o fantasma do passado, uma obsessão do
demônio da igualdade nos poros biológicos predestinados a sobreviver ao sol. O
novo tempo é a estranha forma de matar e limpar as ruas em nome de uma
integridade tenebrosa. A moralidade se impõe como ordem dos néscios de alma que
evocam a religião, a ciência e até a arte de matar o próximo.
O homem deste século sabe tudo, até mesmo crê que é
inferior a deus para matar em nome de um deus. Prefiro ver o rio caudaloso de
ideias se perder em ruas, túneis profundos, em pedras que escondem os
desconhecidos a morrer na ordem do exército de mosquitos que sugam o sangue da
maioria que pondera. Na fuga, atravessar oceanos, cruzar fronteiras sem olhar
para trás com medo de sua própria cola que pega fogo feito fuga de animais
racionais que escolheram se mesclar com a resignação das teorias fatalistas.
Um espetáculo público se monta lá do alto do poder
celestial, todo homem que tem altivez e acredita no destino crê se salvar. Por
outro lado, o que faz da fuga eterna seu imaginário, a poética e o país é quem
talvez encontre o verdadeiro medo e força de forjar um novo tempo de flanar. Diria
um quase andar em nuvens e um deslizar em águas profundas até chegar à margem e
ver que na fuga todos são iguais e que, de uma hora para outra,
retornam os dogmas em roupas e véus.
domingo, 10 de setembro de 2017
Dançar e Punir
William Blake Oberon, Titania and Puck with Fairies Dancing
“E assim, à
medida que o sol se punha, uma visão foi se impondo aos meus olhos.”
Antonin Artaud
Nas
redes sociais as pessoas que gostam de legitimar a cultura do óbvio, da
constatação, da quantidade, essas, emburreceram de vez. Jogam suas frustrações
na falta de tempo para compreender a vida, naquilo que ela possa nos apresentar
de novo, de desconhecido. A vida é o tempo de todas as coisas, o mais simples é
o extremo, destruidor ou construtivo: arrasar ou adorar. É mais fácil primeiro
adorar, depois, em outro sentido, destruir o pensamento contrário; sem se dar
conta, pode-se estar cavando o próprio erro: o fim é o limite para o pensamento
duro. O que vem a ser o pensamento duro, bruto? É o pensar dentro da construção
cultural dual, em que existem os polos do bem e do mal. Essa religiosidade racional
é parte da vida, é claro, não serei eu a refutar todas as manifestações pelo
simples fato de pensar diferente. Eis a reflexão dos frágeis, pensar, refletir,
o contraponto do monismo deste tempo irredutivelmente evaporizado no digital
DNA das fraquezas brutais dos homens; está faltando Alteridade.
sexta-feira, 8 de setembro de 2017
Desfabricar
“[...] mas só porque tínhamos de nos cingir aos fatos
não queria dizer que devíamos deixar de pensar ou não era permitido usarmos a
nossa imaginação...”
Paul Auster – 4 3 2 1
A
verdade é que quando escrevemos, digo, escrevo no impulso. A razão nunca abandonou-me,
exceto no momento em que tenha perdido totalmente a fé na lei sonhada pelos
homens, regida por uma onipotência, vontade acima dos homens, exceto, diante da
razão traiçoeira. A razão ou fé, pensei: a luz no fim do túnel, é a única que
me engana [...] Andei pensando em fazer uma saída do Rio Grande do sul, ou
seja, esquecer por lapso de tempo não compreendido, levar a bandeira da vitória
ou da derrota, pior, achar que se é na identidade que a alma deva ser
reconfortada...Me perco, estou à deriva. Os braços avançam pretensamente à
margem do nunca encontrado outro lado da paz. Um rio tem sua extensão de medo
e finitude. A existência requer mais do que braços longos e ágeis, precisa ter
técnica, unidade e fragmento a cortar o frio, a perfurar o peso volumoso das
águas.
Não
interessa a louca, a boca, a secura do tempo, do corpo, do lânguido ao úmido,
do torpe ao racional, do tiro no escuro à clareza das ideias. Sempre haverá um
meio termo do absoluto, uma tentativa de completude sem que se feche para a
escritura. Melhor seria não ter que prestar atenção aos determinantes. O acaso
é uma quebra de registro, um protocolo que deixa de impor verdades. Existe
razão nos descontínuos pensamentos. Há de existir bons sentimentos diante de
tanta desesperança, penso enquanto tomo meu último gole de água e perco-me nas
águas de um rio sem fim.
Menina Janela-por the Real Richard
segunda-feira, 28 de agosto de 2017
Trem das Águas
“Olha em redor: a poucos passos dele
formou-se uma pequena multidão que está observando seus movimentos como as
convulsões de um demente.”
(Palomar contempla o céu – Italo Calvino)
Nadar e ser um trem ao mesmo tempo, deslizar nas águas,
cruzar o país como se fosse uma locomotiva, de braçada em braçada, deslizar águas,
trilhos e o coração bater tão rápido enquanto o vento singra as águas do tempo,
da vida. O Tempo para se viver mais do que tem para continuar a subir em trens
do mundo, de poder nadar sem saber o tempo de parar, sem ter estação para
descer, o tempo de morrer é não poder mais ter o som das águas, o sibilo da
locomotiva humana, do sinal no céu da luz que brilha, da estrela que ilumina a
dor dos olhos que envelhecem de tanto ver o fim que não termina e os braços a
continuar, avançar o corpo para o outro lado do mundo, de fugir da miséria dos
homens, de buscar o som inaudito dos trilhos, do apito de um trem, do barulho
do mar, do rio que silencia enquanto se atravessa a fronteira a nado para
contrabandear o vento do outro país, para viver o tempo dos outros e buscar
dentro de si o som das águas que vibram nos trilhos úmidos da chuva.
domingo, 13 de agosto de 2017
Mundo
Hebert Maeder, 1952.
“A compreensão significa o projetar-se em cada possibilidade
de ser-no-mundo [...] existir como essa possibilidade.”
Martin Heidegger
O
mundo é velho, vejo a foto, vejo a vida,
O
mundo não passa da minha memória, ele se perde.
O
mundo é uma árvore que virou pedra, o mundo é mais velho que minha dor.
O
mundo circula a Terra, a velhice é o mundo, meu capuz é velho, tão velho que minha
amada foi embora para outro mundo.
O
mundo é o tempo que levo até meu trabalho, o lugar que invento mundos, que
envelheço com minha dor e procuro fugir deste mundo naufragado, meu país é
novo. Sou velho demais para o meu País.
Pudesse
eu, se quisesse, te daria um mundo, o melhor dos mundos.
Não
posso comprar nada, nem tudo nem nada, te devolvo os sonhos.
Vou
dar a volta ao mundo, circular é a fonte de vida, quando menos se espera tem
uma nascente.
Domingo
Nikolai CHERNYSHEV.On the Way. 1939.
"Just a
perfect day
drink
sangria in the park
And then
later when it gets dark
we go home"
Lou Reed
Todos os dias da semana perfazem os dias
todos de uma vida, toda vida é o resultado de um só dia que estende-se ao
tempo. O dia em minha cabeça, começou num domingo. Tão logo concebi a
importância dos dias foi porque o domingo estava presente na vida, no início
toda a expectativa de vida, uma semana dos meus dias que se completava, depois,
era o começo para outro sonho e o pior, a realidade iniciava sempre aos
domingos. Dia especial espalhados por diversos lugares da Terra, em religiões,
em orgias gastronômicas, bebedeiras entre amigos, almoços, corridas pelos
parques, em competições entre barcos e na lentidão dos domingos a vida foi
tomando seu rumo. No domingo a família está reunida, o pai é o domingo e até o
fim do dia os domingos são dos pais: mãe e pai, o alento para o resto da
semana.
sexta-feira, 4 de agosto de 2017
Sentido
Anda trépido, tripula um Uber, navega o tempo,
O único espaço que existe é a pele que circula o olho,
Um desenho perfeito, escalpe de retina, morte que
salva,
A linguagem distorcida, nem roupa nem signo,
A ambiguidade é nossa PAZ. Quem rouba o sonho
é o cérebro.
A voz pode oscilar, o signo vinga a vida.
quinta-feira, 27 de julho de 2017
Cores do Tempo
Minh Ngo Thanh Vietnam
“Um borrão. Um claro. Claro obscuro. Ora um. Ora outro.” Samuel Beckett
De todas as cores, de todos os sons, nem espaço existe
para se deixar de pensar. Todos os números dão a exatidão, exatamente no plano abstrato
onde o real aparece na representação. A única certeza está no código: a
precisão infinitesimal percorre o tempo sem trégua para o olho do observador.
Aí pensei, e se eu pudesse discorrer até o fim do mundo? Pensei que o
tempo pudesse dar uma trégua aos corações libertários, que os deixassem parar um
pouco no instante infinito do prazer, que a realidade pudesse ser a mesma da
eternidade da metamorfose [...] Viral, correr dos sons possa se transformar em
signos do escape total do Real. A maneira de percorrer o outro lado da vida é
não deixar de viver, eu sei. Armei mais um truque para me manter aceso ao
próximo século como uma lanterna à deriva no mar. Se tornar-me imortal − juro, darei
um jeito nisso, voltarei a comer glúten. Promessa de leitor!!!
quarta-feira, 5 de julho de 2017
Língua Absolvida
Hans Dieter (German, 1881
-1968)
“Foram o pão e o sal de meus primeiros anos. São eles a
verdadeira e secreta vida de meu intelecto.”
Elias Canetti (do livro A língua absolvida)
Na
língua, a ginga, a sonora, a fala solta,
O
verbo desprezado, o vento a zumbir.
O
verbo engolidor, a voz que te falta,
O
tempo é testemunho da imperfeição.
Na
altitude o desejo superior, a brancura é farsa,
O sujeito
entra numa espécie de devir étnico,
Desconhece
o resto do corpo, o domínio é forte.
A
morte o desfaz em segundos, não perde a pose dos dentes brancos.
Falta
movimento na política, o corpo é preso.
Saída
escusa povoa a cartografia de um país,
Podridão
é mero passaporte para o inferno.
Dissolvida,
a língua muda de lugar, a interioridade,
Espaço mediatizado entre a
fuga e o morrer na alvura.
sábado, 27 de maio de 2017
Inocência
Gustav Klimt - Three Ages of Woman
- Mother and Child
“Mas quanto mais me
tornava transparente e leve, mais meus despojos cinzentos ganhavam consistência
para seus sentidos fatigados.”
Pierre Klossowski
Imagino meu corpo além do meu corpo. Além, um pouco
mais distante do que hoje sou. Bem antes, quando bem pequenino ao lado de minha
mamãe. Bem ao lado, sentadinho em um banquinho, enquanto ela cuidava de minha
avó enferma. Estava ali, ainda sem a consciência real das coisas, nada a perder,
e o lado humano de estar à deriva da lógica da vida. A vida dos homens não
existia. A inocência e a vida, brincava com o Nada: suprema maneira de ser
apreendida pelo pequeno Ser. Uma alegoria do impossível, desde que, hoje, já não
sei o que estava a viver. Construí esse mundo, através do imaginário de minha
mãe, pude ir além do que hoje posso compreender.
Falava sozinho, como um humano que ainda está a ver o
mundo, o poente é mais distante hoje. Minha mãe cuidava de sua mãe, olhava-me
com lágrimas de dor e felicidade.
Essa é uma imagem que não lembro por mim mesmo, é a
recordação de relato que minha mãe volta sempre a me contar. Já narrou inúmeras
vezes, não importa, estou sempre pronto para ouvi-la novamente. Todos os
ângulos, a vida é sempre a mesma, o amor está dentro e fora dessa narrativa. O
amor é infinito, a dor morre logo ali [...] outras narrativas.
“Dalgum modo outra vez e todos outra vez no olhar fixo.
Todos duma vez como uma vez.” Samuel Beckett
sábado, 20 de maio de 2017
Técnica dos cupins e o blogueiro
“Dois mil e quinhentos anos depois da tecedura
de Platão, parece que agora não só os deuses, mas também os sábios se
retiraram, deixando-nos sozinhos com nossa ignorância e nosso parco
conhecimento das coisas.”
Peter
Sloterdijk
Definitivamente o determinismo decretou
que os blogs estão em crise, que as pessoas migram mais rápido que cupins de
uma madeira a outra, que passam num movimento rápido à noite e que de durante o
dia já se percebe que ali viveu um blog. Ninguém naquele espaço habitará mais,
a não ser o vazio de caracteres deixados consiga ser a metafísica constante das
linguagens trôpegas de uma modernidade cínica.
Assim penso, será que foram os blogs que migraram à noite para
outro espaço em caracteres em uma necessidade causal, que no lugar onde existia
uma linguagem restou uma pasta oculta e que um dia alguém ainda irá lembrar? Ou
mesmo, posso pensar, que de onde havia a linguagem nunca existiu destino e
significados em sua textura, que tudo é fruto dos que pensam em guardar apenas
na memória. Nem memória existe mais agora, a não ser que fique impresso e
guardado em uma gaveta imaginária onde cupins não possam abocanhar. Nem a nuvem
consegue suportar a memória, ela exige demais, é altamente corrosiva, poderia
muito bem acabar com o esquecimento, desmitificar previsões e mudar o rumo do
que era um determinante e se tornar em fractais.
O fim é o espelho da repetição diferenciada, não existe
propriedade do que se espelha se não tivermos a velha crença de que a ideia
combinada com a lógica dos acontecimentos só permanece se puder continuar
corroendo as madeiras.
As nuvens que alimentam e guardam memórias são raras hoje em dia.
Nem um pouco de sentimentalismo, mas uma porção de devaneio nos permite
esquecer o acontecimento, depois é crer que o agora é diferente do antes. Como
diz o designer, “o que parece simples para mim, talvez seja complexo para outra
pessoa” (Vitor Lourenço), mas o que é complexo nunca deixará sua complexidade
pelo simples fato que o finalismo contemporâneo está mais para uma migração do
que para uma etapa avançada do pensamento.
O grau de complexidade é a luz de linguagens jogadas no tempo e
para que alguém pessoa possa tê-la é não necessariamente poder tornar simples o
seu grau de uso. E, hoje, definitivamente a imagem é apenas o cenário em
movimento às linguagens que correm tempo das certezas. Para os fins dos
determinantes e para novas crenças existirem serão imprescindíveis sujeitos
privilegiados ou não. Estar rompendo e descobrindo a melhor maneira de
desmitificar o destino é tarefa do pensamento.
(texto ampliado de 2011)
domingo, 9 de abril de 2017
Cabelos de Baudelaire
Felice Casorati - Concerto - (1883-1963)
Certas cores, cabelos que esvoaçam no
tempo,
mistura cheiros e sons, açafrão no tilintar
do outono,
Tinta que borda a pele, marca a alma, o
frio se aproxima.
Ilumina partes do corpo, o tom certo, é
como a luz,
Atravessa fendas, melodias espalham, clarão
que dança,
Como melodia na luz assombradas de pensamento.
Dedico meu tempo a teus cabelos, a poética
imortal,
Mesmo que não crês no Nada, a cabeleira brilha,
O tempo não apaga os versos, o tempo esquece
o presente.
Como o barco de Debussy, eleva a dor diante
da música,
Em perdidas matemática antes do sol do
meio-dia,
Fios voam mar dentro de luz, fonte da vida,
os cabelos em direção à margem,
Morre no horizonte o que oculta.
sexta-feira, 7 de abril de 2017
Elegia Simultânea
Imagem: Málaga
“Uma
melodia que ouvimos de olhos fechados, pensando apenas nela, está muito perto
de coincidir com esse tempo que é a própria fluidez de nossa vida interior...”
Henri
Bergson
Todo
mês um dia, o ano que se aproxima,
Uma
vida distancia-se,
flor
explode o coração no ensaio que dos olhos firmes,
espanta
solidão, todo mês a mesma via.
Todo
ano que chega ao fim, uma dor se aproxima,
uma
vida a discorrer, um poema de interlúdio,
todas
as notas, todas as músicas, fim do mundo.
Todos
os lugares no coração, um ser que viaja,
viver
no sol da Andaluzia, frio da Serra da Estrela,
um
dia entre o céu e o pensamento, ruas e destino.
Todas
as edificações e o Distrito da Guarda, o alto dos morros,
Viver
a luz de Lisboa, a ribeira do Porto,
aos
trilhos entre Paris e o Mediterrâneo.
Todo
o dia a luz a acordar, vê sonhos pintalgados a serpentear extensão do corpo.
O
espreguiçar da vida, uma roda de turbante, os passos, entre trens, a nuvem leva
a nado o corpo que vive entre águas.
Toda
manhã, a sombra desce a montanha,
ao
lado de sua companheira, dois passos, um gole, a vida e o rio desce o pouco que
pode ainda – Pensamento.
O que
não tem espaço em teu heracletiano lastimoso de lágrimas e música desce correntezas.
Dois
a observar o mundo: passa o tempo, nem a morte os alcança.
Deus
do inverno é o mesmo do castigo que incendeia o corpo congelado.
Estão,
num outro nível de prazer, disse-me a voz misteriosa –
“Descem o rio - no corpo de um barco
criado na ilusão dos mortais, eles afundam, cada dia de minha vida num espelho.
A verdade vem das águas.”
quinta-feira, 6 de abril de 2017
Diferença e Descobrimento - O que é o imaginário?
Editora Sulina - 07 de abril está chegando o mais recente trabalho de Juremir Machado da Silva
Diferença e descobrimento
O que é o imaginário?
(a
hipótese do excedente de significação)
“O pesquisador de imaginário,
intelectual, curioso, leitor de mundos em movimento perpétuo, adepto da
complexidade existencial e praticante da simplicidade como forma discursiva argumentativa
e poética, articulador de encontros e estimulador de prospecções, realizador de
aventuras e analista de sonhos, entre a comunicação e a cultura, é o construtor
de pontes, o ser à beira do rio que contempla o fluxo e tenta identificar
pequenas cristalizações enquanto a noite não chega com seus encantos e
armadilhas tecidas de lendas e mitos.
Um
semeador de águas.
Não há pesquisa ou
narrativa sobre o imaginário fora da metáfora e da analogia. A vocação do
imaginário está nas figuras de
linguagem. O imaginário é uma expressão que encontrou palavras, cores ou
formas. O ódio ao metafórico faz parte de um imaginário – por extensão –
cientificista que ainda crê na decifração total do sentido. Essa presença da
transparência no horizonte das ciências humanas remete a um desejo recorrente de
legitimação por pares que figuram altivos e inalcançáveis como referências de
rigor e de consagração acadêmica.” (p.101-102)
domingo, 2 de abril de 2017
O livro Invisível - sobre Ralph Ellison
Ralph Ellison
Texto pelo autor - recentemente publicado no Correio do Povo - Caderno de Sábado - 25-03-2017.
Luiz Maurício Azevedo
Doutor em Teoria e História Literária (UNICAMP)
Em um célebre
artigo, intitulado The future is black (publicado no Brasil pela editora
Sulina), o escritor norte-americano Mark Dery evoca uma histórica afirmação de
Greg Tate, muito familiar para os indivíduos negros, segundo a qual “pessoas
negras vivem a ostracização que os escritores de ficção científica imaginam.” Na tradição da literatura norte-americana não
há demonstração mais nítida e expressiva desta suspeita do que a descrita por
Ralph Ellison, no livro Homem Invisível. Publicado em 1952, a obra
conta, em primeira pessoa, a história de um indivíduo negro tentando
desesperadamente sobreviver ao racismo cotidiano. Escrito por Ralph Ellison, um
escritor negro, em um tempo em que todos os escritores eram brancos, Homem
Invisível é um dos livros prediletos do ex-presidente Barack Obama. E de
uma extensa lista de lideranças intelectuais afro-americanas. Apesar disso, é
uma obra praticamente desconhecida no Brasil. Sua primeira tradução data de
1990 (Editora Marco Zero). Depois disso, permaneceu esgotada até a publicação
da segunda tradução, em 2013 (Editora José Olympio). Não ganhou resenhas nos
principais suplementos literários do país. Não foi destaque nos vídeos de booktubers
famosos. É, no Brasil, um livro invisível.
O brasileiro,
este ser que existe para dificultar a vida dos sociólogos, faz o que pode para
preservar seu delírio de democracia racial. Como tenho poderes paranormais,
consigo ver, daqui onde estou, o cidadão médio: tênis, óculos escuros, camiseta
da seleção Brasileira, argumentando de forma desmiolada: "Racismo não é
uma preocupação nossa. Falar que tem racismo aqui é macaquice, querer copiar os
americanos, sabe? Aqui é diferente. Aqui o preconceito é social, só. Pode ver,
os negros são tratados como se fossem seres humanos. Por que, então, a gente ia
precisar de um livro cheio de ódio, onde os negros praticam racismo
inverso?"
No país das
trevas, as pessoas têm dificuldade cognitiva de chamar as coisas pelo nome, e
bem antes de Donald Trump já haviam inventado um mundo com fatos alternativos,
pós-verdade, oxímoros e argumentos construídos sob a égide da ignorância
reluzente. Sobre o racismo criaram sua própria narrativa: o melhor modo de
acabar com ele é parando de falar nisso. Em suma: contra a reação das vítimas,
o melhor remédio seria o silêncio dos ofendidos. É por isso que dificilmente
você ouviu falar em Ralph Ellison. Esconderam de você um livro. E só escondem
de você coisas que não querem que você veja. E tudo aquilo que não querem que você
veja é precisamente aquilo que você necessita ver.
Quanto a mim,
acredito que Ralph Ellison rompeu a
fronteira cultural da literatura norte-americana de prestígio e o fez com uma
obra que não representava uma ruptura estética (nada que pudesse sugerir,
entretanto, o nascimento de uma nova literatura, uma literatura negra, cujo
grau de exotismo poderia exercer algum componente sedutor sobre a crítica
caucasiana). Acredito que Homem Invisível encaixa-se com tranquilidade
na cauda longa do modernismo, tendo maiores afeições com Ulisses do que
com a Cor Púrpura, para efetuar uma comparação em relevo. Embora, é claro, seja um grande construtor de cenas,
Ellison não se dedica a um realismo em que os autores necessitam explorar as
decepções do real para encobrir a ausência de potência criativa. Ele é mais
sofisticado, e se localiza mais na linha de um Faulkner, em quem todas as suas
raízes são expostas através de rituais cuidadosos, que se apresentam
ironicamente como encenações cujo desejo aparente seria ocultá-las. Seu texto é
fluido, mas alegórico; reto, mas sinuoso; palavroso, mas enxuto; caucasiano,
mas negro.
Acredito, por fim, que um livro que permanece vivo, mesmo sessenta e
cinco anos depois de ter sido publicado, é um livro que merece ser lido. Mas isso
sou quem acha; eu, um sujeito que não usa camisas da seleção Brasileira, que
não coloca ketchup na pizza, que não toma chimarrão, que não sente pena
de Eike Batista. Você certamente achará outras coisas em Homem Invisível.
Coisas suas. Coisas grandes. Você verá aquilo que eu não vi. Você encontrará respostas que estão lá
somente à sua espera, na linguagem jazzística, no ritmo alucinado, na
inteligência viva da melhor obra que a literatura afro-americana já produziu. Homem
Invisível vai, sob um aspecto muito específico, salvar sua vida.
Há livros
assim.
segunda-feira, 27 de março de 2017
Mar
“O
homem volta a si e descobre que está deitado de costas, olhando para um céu sem
nuvens, ao anoitecer.”
“...
mas pouco a pouco suas descrições passam a ter menos a ver com o mundo físico
do que com o estado de ânimo.”
Paul Auster
O mar, vastidão que impressiona. A vastidão
que dá medo. Corre. A fuga dos barcos engolfa solidões e trai os deuses. Vive
junto a eles e nem percebe. Seu castigo, o de conviver na terra com os homens.
O mar está aqui nos observando enquanto dançamos ao vento da noite fria,
estrelada, encosta suas armadilhas aos amantes que desconhecem que amanhã o
roteiro deverá continuar existindo.
Depois daquela noite não consegui tirar
mais os olhos da Baía de Morlaix. Mesmo distante, lá do velho sobrado, as
persianas não me deixam em paz. Uma luz escorre até meu rosto, meu olho de
remela apenas vê a baía que esconde sua beleza dos dias. Diria, penso em
Deleuze, da mão para o olho. O olhar que vem do mar é o que entra no sobrado,
na cozinha onde todos se divertem. O mundo é uma presença em nossas vidas.
Marie me chama: “o mar é um lobo que uiva de
tanto barulho estranho”. Ele contorna o velho sobrado com sua umidade constante,
água quase toda a extensão, sua brisa que cola na grama. Um pântano ao redor. Estamos
de volta este ano, penso. Nos aquecemos ao redor de um fogão à lenha. Tugny
prepara um chá, Amélie e Marie cuidam de uma sopa. E eu, nada por enquanto.
Arrumo a mesa e me sento ao lado do fogo. Cuido para que ninguém se canse antes
da ceia como meu olhar que observa.
Tento lembrar-me da história que o filósofo escreveu sobre Francis
Bacon, de que o artista ao pintar com os olhos se realiza quando consegue tocar
com os olhos.
Aqui ninguém reza, ainda bem, penso. Todo
mundo toca com os olhos o novo lugar. Morlaix é um presente do mar. Isso é
quase sagrado, os olhos são uma dádiva, alguém disse ao ver o tempo lá fora
uivando junto com o mar.
O momento é de todos pensarem que o mar
poderia ser uma companhia nessa primeira noite completa por inteiro. Chegamos ao
meio da madrugada. Vi o mesmo vento em outros lugares pelos
quais passamos, o cheiro, a pele do mar em meu corpo é esse sal. Enganei meus
olhos sem ter conseguido tocá-los com o novo. Tanto faz existir o inaudito. Na
manhã percebi a diferença. Como se começasse a tomar algo nos canos, algo que
fosse tomando conta do corpo. Isso seria o início e o fim da vida? Lembrei-me
de quando fiquei um mês no hospital tratando de um câncer. Aquela santa droga
para aliviar a dor, a dolantina, no corpo. Agora o mar de Morlaix entra da
mesma forma. A sensação é a mesma e eu acordei com o livro Francis Bacon: lógica da sensação de Deleuze. Através da leitura,
sinto o olho e a mão na imagem do mar. Aqui sem vê-lo, porque estamos sós, o
seu cheiro impregna os sentidos. Imagino o mar, como o diagrama em Deleuze, que
fracassa se nada surgir. Aqui o fato pictural do mar vem pela pele. Uma injeção
de leitura, a pele e o mar estarão lá para sempre. Essa é a viagem. Vejo que
Marie abandonou a leitura sugerida por mim. Ela sempre diz que já existem loucos
na vida suficientes e prefere uma aventura policial à reflexão dos livros.
Tugny, bem sei, ele tem seu emaranhado estético. Ainda bem. Imagina se todos
nós soubéssemos o que se passa por dentro um do outro. O mar daria esse mesmo
efeito de desnudar o outro? Não. Ele tem seus segredos, a força imagética de
aterrorizar e de maravilhar o continente, os homens. Temos nossos segredos. A
diferença se une ao diálogo.
(Fragmento da novela Baía de Corbiere)
domingo, 5 de fevereiro de 2017
Silêncio da letra
Wu Guanzhong (1919-2010)
Cansei dos teus olhos,
de tua voz, a duração deste momento,
o movimento faz o tempo durar o sempre na imagem.
O breviário do solitário é catar os dias, então, do previsível, da
atitude dos versos, a métrica é o fluxo do pensamento:
e o silêncio fascina.
Morrerei em Paris como César Vallejo e Celan.
O Sena que lava a textura do tecido,
palavras entre as pernas abrem-se às manhãs da cidade.
A poesia nasce da algaravia, da alma perdida, morrer em águas
turvas.
O silêncio abre-se coberto de tardes tristes,
um beijo na beleza incessante dos olhos esquecidos dos
os amantes que não se
cansam de partir.
O silêncio fascina sobre o escrito.
sábado, 4 de fevereiro de 2017
Leitor anarquista da Filosofia Cristã
Robert Doisneau
“Quer
dizer, no momento em que adentramos o espaço da memória, entramos no mundo.”*
Paul
Auster
Gosto de ler os filósofos cristãos,
principalmente os dos séculos XIX e alguns do XX. Assim, ao lê-los aprendo mais
do que muita ironia vã da ignorância religiosa e fanática sobre Deus. Sou de
fato um ser em movimento, mas o que nunca deixou-me impressionar é a latência
reflexiva dos moralistas ao tratar da vida como se ela tivesse uma base sólida
para todas os questionamentos. Escamotear a existência em nome de um ser
superior. De fato, a vida é onde tudo se inicia e tudo se perde no fim. O
acontecimento tem seu apogeu. Os observadores mais atentos, os desavisados e
dispersos, porém atentos, a todos que param um pouco para apenas sentir e
deixar o tempo passar ou ficar parado no ato de pensar. Éttienne
Gilson escreveu:
O
pânico que parece se apoderar dos apologistas sempre preocupados em não perder
o último navio, é algo que lhes é natural, mas não deixa de ser inútil. Não há
último navio. Da popa daquele no qual você embarcar, você verá outros três ou
quatro se preparando para partir.**
Ou seja, prefiro a reflexão inteligente do
que ardor de uma crença, de uma outra ordem de religião. Isso se aprende ao
longo dos tempos. Quantos Tempos existe quando vive em uma só vida? Depende,
não da crença, a meu ver, da capacidade que se tem de encarar a realidade sem
temer que a ordem das coisas não gerida pelo fervor de uma crença, mas por
circunstâncias que envolvem essa vida.
No caso dos exegetas, daqueles que dedicam
sua vida a interpretar, a eles meu profundo respeito, mas nem com todos me sentaria
para conversar, ouvi-los. Porque se tem algo que me deixa numa profunda
dislexia é o tom professoral, é querer dar aula no mais alto grau da tonalidade
e expressão teatral de um professor. Isso me tira do sério, então, prefiro
conversar com os livros. O Éttinne Gilson é meu companheiro por excelência. Com
ele aprendi a ler melhor textos filosóficos, a ouvir e, principalmente, recusar
verdades e tons pseudoeducadores de alguns seres monocórdios. No final da
última página de um Gilson, acredito cada vez menos na luz duradoura de uma
Verdade única.
* A Invenção da Solidão. Paul Auster. Companhia das Letras, 1999.
** O Filósofo e a Teologia. Éttinne Gilson. Paulus, 2012.
** O Filósofo e a Teologia. Éttinne Gilson. Paulus, 2012.
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