sábado, 15 de agosto de 2015

O sentido do sentimento


“Mas só sabemos que sentimos uma emoção quando percebemos que essa emoção é sentida como algo que está acontecendo em nosso organismo.”
António R. Damásio

“For I never dreamt that you'd be loving…”
Duke Ellington

  (Ler ouvindo "In a sentimental mood" com Duke Ellington and John Coltrane)

Já escrevi esse texto antes alguns anos atrás, acho que lá por 2002. Deve estar em algum lugar da memória, guardado na nuvem, está dentro de um romance que comecei, parei, no “Editor de romances”. Acordei no meio da noite, zonzo, como se tivesse sido atropelado por algo, pelo sonho, pela música que tocava distante... Olhei para os lados, me certifiquei que estava na minha casa, não reconheci a cama, mas o velho teto mofo estava bem acima de mim. Acendi a luz. Fui até a peça que tinha o som, onde costumava tocar meus discos, era John Coltrane e Duke Ellington ao fundo. Não tinha nada ligado, voltei ao quarto, a velha TV ligada, um filme na madrugada que estava tocando “In a sentimental mood”. Levei susto, nunca passa nada que presta nesses canais abertos, mas a música era uma das minhas preferidas. O filme terminando, passava os créditos, enquanto isso tocava o som que se tornou mais sensível ao meu acordar de sobressalto. Fui envolvido com o silêncio da madrugada. Naquele ano eu ainda estava fixo em uma teoria absurda, ficava sempre imaginando que meus sonhos poderiam ser uma saída para minhas próprias deficiências de pensar a realidade, aí comecei a ler tudo sobre a consciência. Até que cheguei há alguns resultados; primeiro, parei de pensar que isso era um absurdo, ou seja, pensar sobre o próprio sonho, se ele tinha alguma implicação além daquelas já estudadas, muitas desmitificadas do velho Freud. Depois, no momento que me acostumei com a insônia, que era cada vez mais presente em minhas noites, descobri que dormir mal não era dormir pouco, que dormir era necessário, mas ficar pensando era tão importante que dormir muito. Demorou mais uns anos para ter a plena certeza de que eu precisava acordar muito cedo. Acordar e ir nadar, que a água me salvaria da depressão. Meus dias se tornariam melhores. Mudei tudo. Alojei os pensamentos em outros lugares, refiz meus compartimentos da caixa de pensar, só não desisti de tentar compreender como se pode ter mais consciência no ato de sonhar, quando é que se poder decifrar a realidade sem que tenhamos medo de apagar com o tempo por completo.


quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Vida

    Adeus à linguagem



“Você pode unir as duas verdades contrárias e me ver tanto mais sadio quanto mais doente estou.”

Edgar Morin



A vida é assim, todo mundo quer, todo mundo lembra: Vida.
A vida é isso, todo mundo fala mal, todo mundo quer: Vida.
A vida é um troço que dá na vida de cada um, todos a desejam: Vida.
A vida é tudo, tem gente que se mata para tê-la: Vida.
A vida é assim, eu vi e amei de cara quando nasci: Vida
A vida é perdição, a vida mais do que saber sobre a vida, esquecer: Vida
A vida é uma teoria para quem sabe viver, a vida é um Teorema, uma força: Vida.
A vida é o complemento da dor, a alegria do envolver, o lenço branco: Vida.
A vida é um país, lá se vive e lá se morre: Vida.
A vida é o sonho, velejar para bem longe, mandar notícias lá de vez em quando: Vida.
A vida é a única linguagem que as línguas se compreendem, se desconhecem, amam e se matam: Vida.



domingo, 2 de agosto de 2015

Um francês, um inglês, um alemão e um camelo



"O francês foi ao Jardim Botânico, lá ficou uma meia hora, interrogou o guarda, jogou pão ao camelo, atiçou-o com a ponta de seu guarda-chuva e, voltando para casa, escreveu para seu jornal um folhetim cheio de observações picantes e espirituosas.
O inglês, levando suas previsões e um confortável material de acampamento, instalou sua tenda nos países do Oriente e trouxe, depois de uma estada de dois ou três anos, um grosso volume repleto de fatos, sem ordem nem conclusão, mas de um real valor documental.

Quanto ao alemão, cheio de desprezo pela frivolidade do francês e pela falta de ideias gerais do inglês, trancou-se no seu quarto para redigir uma obra em vários volumes, intitulada: A Ideia de Camelo Deduzida da Concepção do Eu."(Le Pèlerin, 1 de setembro de 1929, p.13)
           Epígrafe do livro "O pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo contemporâneo" de Luc Ferry e Alain Renaut, Editora Ensaio, 1988.

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...