domingo, 13 de dezembro de 2015

Imagens do Pensar




                                “O imaginário e o real tornam-se indiscerníveis.”
Gilles Deleuze
“Quando tudo foi dito, quando a cena maior parece terminada, há o que vem depois.”
Michelangelo Antonioni


Minha, a letra que vem do pensamento,
A roupa, visto ‒ a música, sinto na pele.
Transfiguro em tua boca, triste é viver neste buraco,
A solidão é o começo da liberdade, me faz cantarolar,
Acordar noturno é o começo do tempo que se despede.

A narrativa em filigranas discorre no tempo,
Folhas perdem a força, sequência do pensar disperso,
O presente está depois da imagem, em signos, na nuvem.
O movimento é de Antonioni, reúne os tempos,
O vazio mescla com o tempo morto.

O que está aí, feito está. O que foi dito, está aqui.
Presa do tempo, o homem, inventa o que vem depois,
O Imaginário e o Real é o café da manhã à linguagem da vida.

O mundo é feito não mais de heróis, os excessos perderam para os subjetivos obsedantes das Redes.
   Di Ruthven 

domingo, 6 de dezembro de 2015

Ser


“Todo mundo sempre já pressentiu e farejou antecipadamente o que outros já pressentiram e farejaram.”
Martin Heidegger


Eu não sou, sou Eu, não ser o Ser é pesado,
Sou alguém, no meio do deserto humano,
Sou ninguém, em meio ao tempo: Todos.
Não, dois, um Ser em alguém, sou único.
Eu sou o que sou, alguém dentro do tempo,
Fora do lado de dentro, sou o que me misturo.
Eu sou a multidão, sou parte de um único,
Sou o Ser que mira o corpo, sou as partes,
O fragmento dentro de um só corpo. 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

AMOR-RIO




Eu me importo contigo, só não gosto das minhas mazelas.
Eu me importo, gosto de tuas entranhas. Estranho AMOR.
Eu me importo, alguma coisa nesse mundo, me importo.

A única dor que existe é tua resposta a dor,
És forte, sobrevive à lama, a todo teor de manganês,
És água, pureza em tua vida escorre desde a nascente,
é tua luta, meu os olhas choram em te ver morrer.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Ilusionismo





Manobra, rústico modo de contornar a rua,
Manobra, viés por onde a voz ilude o corpo,
Jogo de linguagem, manobra é artifício.
Ideologias somem através da manobra,
Francisco disse: uma injustiça atroz.
Manobra, a pobreza move a palavra.
Manobra urbana, a vida precisa RESPIRAR.



sábado, 28 de novembro de 2015

Entropia da Calêndula

     Madri

“Mas não tenho nenhuma certeza de que o porvir de vocês coexistia assim com o seu presente.”
Henri Bergson
A ordem é a desordem. Havia um tempo que a desordem era o momento em que as coisas começavam a tomar um ponto a seguir, que as direções se distribuíam conforme os seguimentos da existência pediam passagem. Hoje, o caos não é mais dessa proposição, ou seja, a expressão verbal dos conceitos deixa de ter legitimidade diante dos fatos que atropelam o uso da linguagem. Se o juízo de algo é mais do que uma verdade, se ele passa a ser um acontecimento destruidor, a proposição do que estou aqui a pensar não tem importância alguma de sua veracidade de enunciado.
Esse pequeno esforço recreativo, quase um jogo do pensamento, é porque ando a refletir sobre os efeitos benéficos e maléficos das Verdades seculares, sejam elas de ordem das ideias, dos grandes movimentos e correntes do pensamento, ou da heresia quase suicida de afrontar ao uso analítico de conceituar tudo através da linguagem (velho truque de determinar a veracidade dos acontecimentos) através de um exercício lógico de ver o Real.

É uma pena, esse lance de dados não é o único, isso se tornou inócuo no momento, já vai mais de 30 anos que Jean Baudrillard desfolhou a malmequer, dissecou os eventos na crítica do simbólico e do lógico como se eles dessem conta de tudo e diante de uma explosão poderiam deixar de ter sua eficácia, ou de que a linguagem nada mais era do que um recurso para interpretar, e que os homens convencionaram como o núcleo duro das ideias até esgotar o seu repertório.


Voltamos ao centro da Terra, ao centro da Vida, onde o estômago do pensamento regurgita, onde tudo se liga, até o mais absurdo do niilismo se dedica a pensar o que fazer da existência se seu pensamento parar de pensar, é o vão da porta onde toda espécie de luz adentra ou esvazia o que vem do interior para o fora do lugar. Do centro, as forças da destruição movidas por ideias esculpidas, seja pelo sentimento de um deus, pela adesão à salvação da unidade da vida, desse lugar, todos os outros sobreviventes das ameaças poderão reunir os cacos da modernidade, das religiosidades, das verdades e das ciências. Assim, o pensamento não abrirá mão do olhar cético, esse ar pós-monista que ilumina tal qual o idealismo do olhar realista. A entropia é parte do que restou da unidade, então, me volto para a calêndula: o bem-me-quer da Vida


domingo, 8 de novembro de 2015

Uma tal senhora Beauvoir



“É porque não aceito as fugas e as mentiras que me acusam de pessimista...”
Simone de Beauvoir

O que permanece escrito e não compreendido não é mais um hieróglifo, não participa mais do histórico lastro da linguística que identificava os significados através da escrita. Hoje, podemos dizer que o não pressuposto ato de ver e não identificar é mais um sintoma viral do século XXI. O que chamo de burrice proposital, ou então, do silêncio hipócrita das direitas e dos empedernidos esquerdista que acompanha o som dos imbecis. É uma mistura nonsense que anda solta nas páginas dos obsoletos jornais, das redes sociais, que percorre os planaltos, praias, palcos até moldar o conformismo da opinião pública.
Ontem lendo um velho livro, velho, porque foi escrito por uma senhora que marcou demais a cultura ocidental com suas ideias inovadoras, libertadora e provocante em certo momento histórico. Para que agora seja relida, consigo perceber, a muitos é parte do esquecimento, sim, esquecida, mas também pudera, aqui se lê, aqui se escreve e morre de esquecer o lido e o escrito. Volto ao texto lido, se trata de um belo livro, às vezes superado, mas não é isso que se tem de melhor dele, é o que ainda hoje permanece intacto, pois tanto tempo para melhorarmos e só pioramos as coisas. Está aí para ser lido um pouco mais da velha senhora Beauvoir no livro “Tout Compte fait”, o “Balanço Final.
“Quis fugir dessa opressão, prometi a mim mesma que a denunciaria. Para defender-me dela, apoiei-me desde cedo na consciência que tinha de minha presença no mundo; o mistério de seu aparecimento, sua soberania, ao mesmo tempo evidente e contestada, o escândalo de sua futura aniquilação: desde muito pequena, esses temas me mobilizaram e ocupam lugar importante em minha obra.”



Cabeça pensante


“Como todos grandes livros, difícil de se fazer, mas não difícil de se ler.”
Gilles Deleuze

Não meta o dedo na minha moleira,
Fonte da vida é milenar, é vital em frutos,
Não é do mal, é dos campos e dos mares.
Não pense que a vida é reserva de mercado,
Minha cabeça repleta de ideias,
Não bote fora esse olhar, meus cabelos brancos nascem todos os dias. Minha moleira é perene.
Os sentimentos brotam da videira,
O sol aquece a mão que trabalha e brinda a vida.
Não diminua sua vida sem antes de ler o livro,
O nome que dei ao título está na última página.
Então, não meta o olho em minha moleira.
O que é do homem a vida come, o que é da vida é da vida.



segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Envelhecer

    Café

“Quando eu fico, como hoje, mexendo nesses velhos cartões-postais, percebo que de repente tudo se misturou, se confundiu.”
Danilo Kiš

A extensão dos meus propósitos por linhas que escrevo a vida, meu nome. É por acrescentar que faço o viver sem deixar de ler o todo do meu nome, escrevo meu tempo. É como se eu tivesse saído do minimalismo da juventude, e nesse tempo ter aprendido a usar todo o meu corpo em nome por extenso para filosofar sobre o umbigo. O meu nome não esquece a vida, alia o Nada ao Tudo, deixa para trás a dor e reinventa as cores. Compõe a música imaginária em todas as letras para escrever no muro o nome do nome. Meu nome não teme o fim, rompe a linha da vida, avança para além do pequeno lugar rumo ao desconhecido. Meu nome é um viajante que precisa soletrar para compreender sua língua amolada em nomes marcados no fio metal do tempo.



terça-feira, 29 de setembro de 2015

Coração tecno

     Imagem: Igor Morski

“Quando eu fico, como hoje, mexendo nesses velhos cartões-postais, percebo que de repente tudo se misturou, se confundiu.”
Danilo Kiš


Nunca diga não a tecnologia de seu coração. Não se assuste, o coração é o mesmo; acontece que ele e a tecnologia não viveriam longe um do outro. Sucumbiriam na mesmice do nascer, crescer e morrer. A metáfora ‒ coração ‒ é aqui a força do texto, o lúdico do pensar é apenas a carga para o movimento, o batimento é como os dedos que percorrem o resto da imaginação sem pressa de terminar sua exploração. A poética diz ser: o coração é a precisão mais perfeita do viver, o bater, o pulsar das incertezas. Mesmo assim, o coração é como a tecnologia para o corpo que precisa ir adiante dos dias, além do tempo, mergulhar nas possibilidades do que nos abastece a vida, no ritmo de cada um, outros pulsam, vivem de forma diferente. 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Atira-te ao Rio


“Os panoramas, que anunciam uma revolução nas relações da arte com a técnica, são ao mesmo tempo expressão de um novo sentimento de vida.”
Walter Benjamin



Poucas músicas são como poucos olhos a ser visto na distância dos olhos. Ocultos, bem próximo da memória, minha mão acompanha o pensar, a curva do olhar dobra o velho porto abandonado. Então, eu estava a olhar o outro lado das coisas, estava a caminho do rio, passei por bares, mistura de sons, a alegoria das cores que vinha do rio, a conversa dos olhos, o sentido da música, o fim da rua. Estava à beira do Tejo. O fundo do rio surgia uma mesa na passagem do passado ao presente, um bar, o som perdido no vento brando das águas no ritmo contrário da cidade. As pessoas de um lado ao outro vinham ao mesmo tempo de onde estava olhar, a construção dos olhos é como um barco que aporta no velho cais. Algo que procurei, um som que não escutava, desde um tempo não tão longe dos olhos mas longe do sentir, a memória não deu trégua, veio com tudo, trouxe o som com a força da correnteza. Estava ali, os pés voltado ao Tejo. 



sábado, 15 de agosto de 2015

O sentido do sentimento


“Mas só sabemos que sentimos uma emoção quando percebemos que essa emoção é sentida como algo que está acontecendo em nosso organismo.”
António R. Damásio

“For I never dreamt that you'd be loving…”
Duke Ellington

  (Ler ouvindo "In a sentimental mood" com Duke Ellington and John Coltrane)

Já escrevi esse texto antes alguns anos atrás, acho que lá por 2002. Deve estar em algum lugar da memória, guardado na nuvem, está dentro de um romance que comecei, parei, no “Editor de romances”. Acordei no meio da noite, zonzo, como se tivesse sido atropelado por algo, pelo sonho, pela música que tocava distante... Olhei para os lados, me certifiquei que estava na minha casa, não reconheci a cama, mas o velho teto mofo estava bem acima de mim. Acendi a luz. Fui até a peça que tinha o som, onde costumava tocar meus discos, era John Coltrane e Duke Ellington ao fundo. Não tinha nada ligado, voltei ao quarto, a velha TV ligada, um filme na madrugada que estava tocando “In a sentimental mood”. Levei susto, nunca passa nada que presta nesses canais abertos, mas a música era uma das minhas preferidas. O filme terminando, passava os créditos, enquanto isso tocava o som que se tornou mais sensível ao meu acordar de sobressalto. Fui envolvido com o silêncio da madrugada. Naquele ano eu ainda estava fixo em uma teoria absurda, ficava sempre imaginando que meus sonhos poderiam ser uma saída para minhas próprias deficiências de pensar a realidade, aí comecei a ler tudo sobre a consciência. Até que cheguei há alguns resultados; primeiro, parei de pensar que isso era um absurdo, ou seja, pensar sobre o próprio sonho, se ele tinha alguma implicação além daquelas já estudadas, muitas desmitificadas do velho Freud. Depois, no momento que me acostumei com a insônia, que era cada vez mais presente em minhas noites, descobri que dormir mal não era dormir pouco, que dormir era necessário, mas ficar pensando era tão importante que dormir muito. Demorou mais uns anos para ter a plena certeza de que eu precisava acordar muito cedo. Acordar e ir nadar, que a água me salvaria da depressão. Meus dias se tornariam melhores. Mudei tudo. Alojei os pensamentos em outros lugares, refiz meus compartimentos da caixa de pensar, só não desisti de tentar compreender como se pode ter mais consciência no ato de sonhar, quando é que se poder decifrar a realidade sem que tenhamos medo de apagar com o tempo por completo.


quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Vida

    Adeus à linguagem



“Você pode unir as duas verdades contrárias e me ver tanto mais sadio quanto mais doente estou.”

Edgar Morin



A vida é assim, todo mundo quer, todo mundo lembra: Vida.
A vida é isso, todo mundo fala mal, todo mundo quer: Vida.
A vida é um troço que dá na vida de cada um, todos a desejam: Vida.
A vida é tudo, tem gente que se mata para tê-la: Vida.
A vida é assim, eu vi e amei de cara quando nasci: Vida
A vida é perdição, a vida mais do que saber sobre a vida, esquecer: Vida
A vida é uma teoria para quem sabe viver, a vida é um Teorema, uma força: Vida.
A vida é o complemento da dor, a alegria do envolver, o lenço branco: Vida.
A vida é um país, lá se vive e lá se morre: Vida.
A vida é o sonho, velejar para bem longe, mandar notícias lá de vez em quando: Vida.
A vida é a única linguagem que as línguas se compreendem, se desconhecem, amam e se matam: Vida.



domingo, 2 de agosto de 2015

Um francês, um inglês, um alemão e um camelo



"O francês foi ao Jardim Botânico, lá ficou uma meia hora, interrogou o guarda, jogou pão ao camelo, atiçou-o com a ponta de seu guarda-chuva e, voltando para casa, escreveu para seu jornal um folhetim cheio de observações picantes e espirituosas.
O inglês, levando suas previsões e um confortável material de acampamento, instalou sua tenda nos países do Oriente e trouxe, depois de uma estada de dois ou três anos, um grosso volume repleto de fatos, sem ordem nem conclusão, mas de um real valor documental.

Quanto ao alemão, cheio de desprezo pela frivolidade do francês e pela falta de ideias gerais do inglês, trancou-se no seu quarto para redigir uma obra em vários volumes, intitulada: A Ideia de Camelo Deduzida da Concepção do Eu."(Le Pèlerin, 1 de setembro de 1929, p.13)
           Epígrafe do livro "O pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo contemporâneo" de Luc Ferry e Alain Renaut, Editora Ensaio, 1988.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Compreensão




“O que seria a vida sem esquecimento.”
Hans-Georg Gadamer

Que bom envelhecer e esquecer, e que não devemos esquecer de viver, e que todo esquecimento é viver mais um pouco, é lembrar viver mais um tanto outro muito de vida. Porque viver é esquecer um pouco de tudo, é viver um tudo de nada dos poucos instantes vividos. Viver e não deixar de sentir as imagens, de não deixar de provar o vento como se o olfato fosse um som a cruzar um eterno campo de vida, e nosso voltar para o tempo é cheirar mais um pouco do esquecido, do ar que passa sobre a cabeça. E um vasto oceano e todo movimento a desaguar na vida.

E morder a vida com aquilo que o esquecer nos deixou sentir: Viver os últimos dias como se vivesse os primeiro anos de vida, viver por viver sem deixar de cuidar da vida. Viver sem as certezas da exatidão, das verdades, e sentir todas as verdades vividas nesse caminho de vida intensa.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Abertura do Ser



“Ele sabia, porém, que a linguagem nos suporta como um elemento. E, contudo, ele a obrigou frequentemente com violência a se voltar contra si mesma.”
Hans- Georg Gadamer


Tarde cinza, a escuridão do quarto, a janela se abre com vento que vem do outro lado do rio. A batida na janela é forte. Zunindo, o som é zinco a zunir em meus ouvidos, a mão invisível força a persiana, força meu sono a acordar. A luz que entra no quarto é tempo do sol, um prenúncio de primavera que é envolvido pelo movimento ‒ a Terra, o corpo inerte, as mãos nos olhos, a boca na secura, os olhos na persiana que bate, escancara a alma ao tempo ao som da “Oração ao tempo”.
Um corpo, antes inerte, acorda sem se importar com nada, o vento passa de um lado a outro, homens cruzam sua casa. Fantasmas em olhos embaçados, seu quarto é invadido por cavaleiros das trevas. Um cheiro forte fica no ar, o incenso da vizinha se mistura no cheiro do café vindo da cozinha. O caminho até o fogão é próximo. Pássaros habitam a antena de TV do prédio ao lado, cabelos úmidos e fétidos adeuses que ficaram no tempo de outro lugar. Um homem sem se mover, olha em volta, resmunga, olha o lado contrário da capa do “Ser e o Tempo”, o vinho cheio na garrafa, pensa em levar as mãos até o clarão vermelho que completa a borda do cálice. As mãos trêmulas. De um só pensamento. Levanta! Consegue ir até a porta, entra e diz ‒ vim tomar um café no meu amanhecer.

sábado, 25 de julho de 2015

Chá Noturno



“Nenhum metal é onipotente. Bum! Bum!”
“Dentro do livro matraqueiam as letras. Estão presas e não podem sair.”
Elias Canetti

Derreta a melancolia dos olhos antes que o sol tome conta do resto, exerça sua força diante do todo, vingue suas derrotas apenas para se tornar mais forte, o sol é mais forte que seu violento pensar, atravesse a cidade antes de escurecer, a noite é a luz da escuridão, lá no escuro poderá sentir saudades do dia em que estava ao sol, que ao penetrar o vão da janela brilhou em seu peito desnudo. Não durma antes de olhar o céu, cuide bem antes de adormecer os quatro cantos da vida, tranque bem as portas, soltes os cachorros, fale com os gatos, tome uma xícara de chá. O sonho invadirá seu coração. Amanhã talvez acorde vivo.

  

domingo, 19 de julho de 2015

Movimento




“A arte só está próxima do absoluto no passado, e é apenas no Museu que ela ainda tem valor e poder.”
Maurice Blanchot


Meu grupo é tão seleto que não existe, vivo no limbo da desatenção, permaneço só na multidão, mordo a cauda da serpente, vejo no espelho o movimento do corpo, vejo a luz difusa, a névoa de um domingo cinza. Corro feito louco para ver o mar, nado fundo para não mais voltar, sigo em braçadas até o fim do livro. Vejo a mesma cena do filme que passa aos olhos, ouço o som no fundo do pensar, marco a linha imaginária na tela para traçar minha fuga.


Tempos Difíceis

                   Doze Girassóis numa jarra - Vincent Van Gogh - 1911




“Inteiramente diverso é o que se passa com o tempo linear.”
Karl Jaspers


Estamos vivendo tempos difíceis, essa evangelização nos sentimentos, na cultura, na forma desapegada que se tem para levantar os braços e agradecer a torto e a direito a tudo que é de ordem divina, do esforço de cada um, do cérebro de cada um, o que é da Vida passa a ser a mão do senhor.  
A criação dos homens virou uma dádiva, logo agora que não existe nada de criativo nas atitudes e nem no que se apresenta como sendo cultura, música, literatura e outros fazeres dos homens que se acham donos da Terra.
Estamos vivendo esse tempo de gerúndio, de poente nas histórias; na política, o pensamento de esquerda está mais perdido que papel ao vento, a direita, está cada vez mais orgulhosa de suas atitudes, de seus propósitos e agradece ao senhor do egoísmo... Mas esse tempo é mortal. Felizmente. Estamos a viver todos os tempos num só século. A água está suja, o plástico é uma ilha para os olhos dos homens, então, alguém poderia me dizer uma coisa: onde andam os deuses e seus sons, onde está a pintura dos girassóis e os cineastas libertários, onde estão todos?


sábado, 27 de junho de 2015

Sonho

                                     Lisboa


“(...) Serei todos ou ninguém.  Serei o outro
Quem sabe sem saber eu sou, o que fitou
Esse outro, minha vigília. E a julga,
Resignado e sorridente.”
Jorge Luis Borges - Sonho

Depois de dormir um sono errante,
Vaguear pelo inconsciente, correr o mundo,
Entrar por todos os cantos da memória.
Explorar o passado, o vivido, o insignificante,
Em todos os lados, ser personagem e autor,
Depois escrever tudo de forma mais absurda:
O nexo da noite está no acordar vivo.
Ver que o tempo mudou, o sonho é um trem,
Desloca ao passado, se perde, o túnel é o caminho,
Sem temer a censura, o outro lado é a viagem do autor,
O maquinista da noite não teme o fim,
Tem o controle da luz na escuridão,
Seus personagens, um vasto complexo de Outros,
Todos, sujeitos, uns, obra do autor a viver na onírica viagem, prova do recorte da vida que sonha,
O dia, mais cedo ou mais tarde, luz dos olhos,
Acenderá os filamentos da linguagem do noctívago.


   Autor desconhecido


“... e essa regressão precisa deixar pelo caminho toda nova aquisição ocorrida no percurso que vai das imagens mnemônicas até os pensamentos.”

(Freud – “O trabalho do sonho”, p. 244 ‒ Freud – Conferências introdutórias à piscanálise, Obras Completas, vol. 13 , Companhias das Letras, 2014.)

sábado, 20 de junho de 2015

O Existencialismo da Imagem Nua

 
      Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Boris Vian e Michelle. Pari, 1952 – Fonte: Ny Times

                                                   Andres Kertesz



“O olhar do outro afeta o meu de um índice de cegueira. Mas a cegueira provoca a imaginação.”

José Gil

Eis a questão que me envolve às vezes na reflexão, se existe existencialista pós-moderno, depois, em outra linha do pensar, digo a mim com a convicção própria de um homem do século XXI, se é que existe mesmo, é o pós-moderno existencialista.
Se existisse ainda existencialista, certamente não seria pós-moderno, seria um herdeiro do marxismo, seria um saudoso homem diante de questões pós-cartesianas, dentro de um embate profundo sobre a objetivação do sujeito.
Só que isso passou. Se hoje se fala de existencialismo porque existe um resquício sartreano na linguagem que atravessou o século XX, e permanece no corpo de muito pós-moderno existencialista a extensão do tempo que se metamorfoseou, deixou de ter um único ideal.
Tenho o pensamento no pêndulo do tempo, nas ruas de Paris, assim como tenho o olhar na imagem da história e disso posso ter uma certeza ‒ não a verdade que alguns intelectuais procuram ‒, mas o prazer de ver essas contradições que habitam o homem deste século.
Esteticamente, na imagem das pequenas percepções vive um existencialista, talvez o que resta do pensamento sartreano no contemporâneo, no homem que bem ou mal, é o registro vivo de um tempo que se modifica incessantemente.
Esse homem que vive no pensamento está consciente de que o pós-moderno talvez não exista mais, a modernidade tratou de matar toda e qualquer alternativa para a recusa do sujeito que ela mesmo forjou, sua obra, hoje, está na agonia das incertezas. Não se deve culpar o homem por suas escolhas erradas em princípios morais, em conjecturas filosóficas, muito menos em ideias totalizantes. O homem é resultado dessas escolhas.
 A história jogou ao tempo um homem que hoje pode viver como um pós-moderno existencialista, até mesmo num esforço de força metodológica, um homem estético da modernidade tardia existencialista.

  


quinta-feira, 18 de junho de 2015

Jürgen Habermas – o pensador no século XXI



Hoje é o aniversário de Jürgen Habermas, nasceu em Düsseldorf ‒ Alemanha ‒ 18 de junho de 1929. Filósofo e Sociólogo, um dos grandes representantes da Teoria Crítica, soube como poucos atualizar o legado de Marx, de Adorno, Horkheimer e Marcuse. Atuante em questões de seu tempo, chegou neste século com sua obra em plena forma, atualíssimo. Conseguiu trazer temas tão importantes para as Ciências Humanas com uma renovação criativa, como por exemplo, a Teoria do Agir Comunicativo. O Mundo da Vida causou uma tempestade, o autor ganhou interlocutores críticos e, também, atraiu vorazes inimigos nessa esteira teórica que ele nos presenteou em livros. É isso que se quer de um pensador, a potencialidade da obra é, também, a luz que reflete e reflexiona, como pode ser a luz a ofuscar ideias pretensamente únicas e definitivas. Até hoje, Habermas, é um indicativo de que o pensamento crítico ainda vive. O pensador da emancipação, crítico dos exageros do cientificismo e da especialização do conhecimento. Um participante ativo da esfera pública política encontrou ao longo de sua trajetória grandes debatedores, críticos ferozes e nem isso o afastou do debate sobre temas que ainda são mais dos que atuais. Habermas, a meu ver, é um dos grandes, um dos últimos protagonistas do debate que procura ainda ver no homem uma saída para o presente. O futuro sem grandes pensadores está ameaçado?   
“Onde as teorias se encontram numa relação de complementaridade e de pressuposição recíproca, a coerência passa a ser o único critério de avaliação, só sendo verdadeiras ou falsas as proposições particulares que puderem ser inferidas das diferentes teorias.” (p. 720-721
Teoria do Agir Comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista, Vol. 2, Editora Wmf Martins Fontes, 2012) 

 Sobre a União Europeia
“A União se legitimou aos olhos dos cidadãos, sobretudo, por seus resultados, e não tanto pela satisfação de uma vontade civil política. Isso se explica não só pela história de surgimento, mas também pela constituição jurídica desse constructo peculiar.” (p. 117 ‒ Na esteira da tecnocracia, Editora Unesp, 2014)

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Formas do livro



Os livros leem, os livros comem, os livros tomam forma,
Desde que o livro é livro, o livro nunca deixou de se mover,
O livro some, o livro morre, o livro errante, o livro erra,
O livro é fuga, o livro liberta, o livro queima, o livro sara.
Os livros não desistem, o livro é folha, o livro é tela,
O livro brilha, o livro é no escuro, o livro ouve, o livro é tátil,
O livro é reza, o livro é anarquia, o livro é corpo, o livro é sublime.
O livro é torto, é página, é linguagem, é música, o livro é nuvem.

sábado, 6 de junho de 2015

A nadadora







“Qual o sentido da vida? Isso era tudo ‒ uma pergunta simples: das que tendem a agrilhoar uma pessoa com o passar dos anos. A grande revelação nunca chegou.”
Virginia Woolf (Rumo ao Farol)


Teus braços avançam,
Tuas pernas no fluxo das águas
Tua boca respira no momento certo,
O encontro da existência com o dia,  
Amanhecer,
E lá está a nadar em águas turvas,
Nada é o fim, a cabeça em movimento,
A direção do corpo no vazio das águas.
O maiô Bordeaux em vinho de sonhos,
A juventude flutua na agitação dos sons,  
A pele úmida,
De lábios a sorver o sal.
Olhos devoram, abertura de pernas,
Move o movido do pensamento,
Nadante, serpenteia, imersa,
Nudez que singra o cloro da piscina.
O céu é tua pele aguada, o sorriso molha,
O corpo que marca e transparece,
Seca aos olhos do observador.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

A música é um livro, o livro é um filme

        Jean-Pierre Léaud em “Os Incompreendidos” (Les Quatre Cents Coups) de François Truffaut

“Meu amor, acredite
Que se pode crescer assim pra nós
Uma flor sem limite
É somente por que eu trago a vida aqui na voz.”
Caetano Veloso (Minha voz, minha vida)


A música é a expressão mais afinada da linguagem num país que tem a tradição cultural em sua musicalidade como uma das marcas mais profundas. A geração que me marcou, não esquecendo toda a história da música, foi ao tempo, a geração que me fez romper com um certo tipo de passado. Um necessário fim chegou ao fim quando ouvi pele primeira vez alguns, uns, Caetano, Gil e Chico.

Quantas coisas se pode fazer na vida, nobre ou simples, as do cotidiano ou as da alta-cultura? A linguagem nos leva a todos os lados da vida, a música é o impulso mais cru, sua natureza vem do ventre, do berço, vem das casas, das ruas, dos amigos, dos amores. Só a música nos inspira mais que a leitura. Quem um dia já não saiu do livro para música, do filme para música como se as imagens fosse o clarão do mundo num roteiro para vida? No meu caso a tradição de ouvir música em uma eletrola RCA Victor, aquela do Nipper, o cachorrinho, foi o que me lapidou e me jogou ao mundo. De vez em quando sinto a nostalgia dos elepês que ouvia na minha casa.

Quando ouvi pela primeira um dos discos que mais me marcaram, “Caetano e Chico: juntos e ao vivo”, gravado em Salvador no Teatro Castro Alves, eu era apenas um guri no Alegrete. Demorei alguns anos para ter o disco em minhas mãos, até então a alternativa era ouvir no rádio, na JB do Rio de Janeiro, na El Mundo de Buenos Aires. Por onde eu andava, gostava de falar sobre música, imaginava que a música poderia ser uma ponte para me levar ao futuro, como se fosse um ônibus que partia na rodoviária, ia com as letras na cabeça, a pensar nas letras de Caetano é que me via de volta ao desejo de ler. A audição de discos do Caetano, do Gil, do Chico, do João Gilberto, na casa de um amigo, era como se eu já tivesse bem longe. Seguíamos até altas horas discorrendo sobre música, era pura fruição, deleite saber que era tão lindo poder ouvir canções maravilhosas e, ao mesmo tempo, poder ir para casa com as letras na cabeça. O sentido de ouvir, de todos poderem falar ao mesmo tempo, como se a linguagem fosse mais veloz que aquele momento, tudo mesclava, melodia, amor, revolução, contracultura, tradição, o novo do que era dito. E eu era único nisso tudo. Extasiado, eu voltava para casa, me perguntava em que daria tudo isso, onde eu iria parar... ”eu sou neguinha”, eu fui embora da cidade, levei meus sonhos, alguns discos, umas fitas cassetes até a capital.

Em Porto Alegre eu consegui me aprofundar mais e mais na tríade música-literatura-cinema. Aqui descobri o meu gosto, era mais um entre os jovens, mas dentro do refinamento do passado, do novo. Extrapolei, exorcizei os fantasmas dos anos de chumbo, fui aprendendo com a vida, me ferrei no amor, amei demais os amigos, me dei bem entre os amores, tudo isso sempre acompanhado de Caetano Veloso, de Gilberto Gil e Chico Buarque. Isso tudo recheado de Cartola, Nelson Cavaquinho e Tom Jobim. Não precisava mais nada para chegar vivo no século XXI. É o que penso de Caetano Veloso “os livros são objetos transcendentes/ mas podemos amá-los do amor táctil”. 
(Texto publicado no Correio do Povo - Caderno de Sábado - 30/05/2015)

domingo, 24 de maio de 2015

Natação Filosófica

                  © Stephan Vanfleteren


Abrace a memória, afronte o esquecimento,
Para alcançar a história é preciso ver mais longe.
Ame os botões, os próprios, a história não delega poder.

Invente um jeito de sair do Tempo, use o todo do Tempo,
Cruze ruas, cidades, organize seu coração,
Fortes emoções hão de chegar.

Não escravize seu sonho, não entregue em mãos alheia,
Cruze o oceano do olhar, não fique preso nas imagens,
Não deixe eles te levarem para a austeridade das ideias.

Arraste seu barco para bem longe,
Nade para o outro lado da margem,
Respire fundo, descanse o pensamento.
                          (The Swimmer) de Lynne Ramsay
                                       

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...