domingo, 19 de maio de 2013

Londrinalha – Lembranças de Ian McEwan




“Era capaz de ouvir o que escrevera. Caminhava em direção a uma representação de si mesmo. Todas aquelas noites sozinho.”
Ian McEwan


Ainda penso no romance de Ian McEwan, Amsterdam, aquela história dos dois amigos que vão ao funeral da Molly (que tinha sido amante dos dois). Mas aqui, neste fevereiro congelado, paro no centro da ponte Tower Bridge, penso na história, no que o livro possa significar num inverno londrino em fevereiro. Eu sem um exemplar do livro que me vem à cabeça não sou ninguém, espasmos na memória. Lembro do egoísmo, dos personagens que estão na paranoia do jornalista e do músico. Fico a dez passos das mulheres que atravessam Londres comigo. Atrás, vejo-as, passo a passo, a multidão cruza nossos caminhos, as vozes todas em burburinho, e o único som significante no momento é meu pensamento no romance de Ian McEwan. Percorro a memória no lado mais abominável do ser humano, na inveja, na moral forjada durantes anos e sinto o sol forte me aquecer. Ainda posso caminhar e pensar no que li, essa é a dádiva da natureza, estou aqui e penso que não tem como andar com os livros em todos os lugares mas consigo lembrar até onde fiz as anotações. Algo que me arranca da realidade, impulsiona meus pensamentos, meus olhos cerram em segundos, penso na audição das palavras que brotam da velha ponte; seu passado de coisas que não calaram, porque sei que posso não saber, naquele momento o que ficou no tempo sem testemunhas, suicidas, bandidos, assassinos, amantes que por ali passaram. Mas, logo adiante, a memória retornará do presente, as páginas do Amsterdam. O prazer de retornar ao que já li, quando sinto o cheiro dos lugares, das ruas que inspiraram uma história, percebo o pouco que consigo construir a partir das reminiscências. O romance morre na última página, os dois personagens desapareceram em Amsterdam. Meus passos cruzam Londres, a cidade me ajuda a esquecer o lado soturno da vida. Páginas existem, mas estão gravados nesse emaranhado de ideias que flutuam sobre o rio, no frio cortante de um inverno aquecido pelos olhos de mais um viajante a vislumbrar uma livraria na beira do rio. (Fevereiro de 2013)

terça-feira, 14 de maio de 2013

O instante submerso




Almost blue, Almost doing things we used to do, There's a girl here and she's almost you. Almost...      Chet Baker


Quase um instante, o tempo que tive para perder o trem, o tempo que tive de não te encontrar mais, mesmo ao meu lado, te perdi, te achei já no caminho do Nada, depois disso tudo seria metafísica e nossos corpos não ficariam mais ao contrário dos olhos.
Nossas mãos não se enlaçaram mais no tempo do agora, dos olhos que escapam pelos cabelos, pelas transversais, por ruas que nos cruzamos, por cafés que tomamos, por elegias que fizemos juntos lado a lado no caminho do rio, da ponte, dos casamentos absurdos, dos protestos infames, do dinheiro e da miséria. Um instante vive em ti, na cabine escura de um vagão que se perdeu no passado quase tive o tempo em minhas mãos.

  A cidade fantasma - Epecuén - Fonte: Terra

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...