domingo, 6 de fevereiro de 2011

O último bistrô




Sonhar com ossos, pele, corpo, cores com sabor,
Ainda ler com o estômago, um pouco de tudo, um museu de informação.
Cravado na testa o resíduo das ilusões ao lado do rio que desaparece,
Um bistrô sozinho sem o teu cheiro, o vulto desfeito da cabeleira,
Um vinho sem os teus lábios, o país é grande demais, imagina o mar,
É muito mais triste ver a água de secura na pele em fragmento.
Depois, ver imagens da imensidão na linguagem,
Invadir os corações ávidos de tudo que a vida calou em nome do zelo humano,
Um corte na vida, um costurar de privacidade, um esperar de amanhã.

sábado, 5 de fevereiro de 2011




O tempo de minha mãe



Minha mãe faz 86 anos. Está completando o tempo que é de uma vida. Poucos chegam a esse tempo com a fome de seguir vivendo a pleno. Só a “longimetria” poderá ver a linha que separa a vida do tempo. Uma linha aparentemente invisível, mas que une a luta de uma mulher, que amou seus filhos e desde sempre cuidou de todos, com aquela outra linha, a do amor, expressa na última ambrosia degustada por seu marido e no marejar do último olhar do filho mais velho que já se foi. Esse é o tempo que a ciência não consegue compreender, quando se refere à longevidade prazerosa e à idade do envelhecimento: o mistério que só a música poderá alcançar, ou que só o movimento em imagens conseguirá mostrar na grande tela da vida.

O que muito se ouve ou se lê é quando alguém diz “agora me sinto pronto”, “agora estou preparado para morrer”. Mas o cotidiano de algumas mães, como o da minha, é “agora quero continuar vivendo”. Minha mãe não é diferente das outras mães que vivem a desconfiar disso tudo, nem é uma mulher que vive crendo na eternidade. Ela vive simplesmente por amar a vida. Entre seus sonhos guardados e segredos de uma mulher que sofreu ao longo dos seus dias e noites, ela me ensinou que o tempo faz com que as pessoas reconheçam que a vida é não um fim, mas sempre o começo quando se tem amor. Minha mãe é uma mulher que não renuncia esse viver do tempo. O próximo tempo, a meu ver, é humano demais para todas as mães, então, vamos amar que nem elas aos que nos amam. Então, penso novamente, minha mãe que crê em Deus, sempre diz “vá com Deus”...quando estou partindo...
Agora, ela está aqui na cidade, onde nasceu e cresceu. Olha de perto na longitude dos que ama e se emociona num soluço eterno de uma jovem mulher. Ela ama viver o seu tempo. Em breve minha mãe fará 100 anos e seguirá fazendo muito mais, já que o amor pela vida é o que a move e nada mais.

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...