quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Morrer como Corbière



Capa de Letícia Lampert (sobre a obra Les Amours Jaunes de Nathalie Talec)

Jim Morrison não conheceu Tristan Corbière, que pena! O leitor brasileiro conhecerá o maldito da poesia que se perdeu ainda tão jovem através do texto de Emmanuel Tugny. Morrer como Corbière nasceu sob o signo da poesia maldita, como diria Octavio Paz sobre os poetas malditos, “são frutos de uma sociedade que expulsa aquilo que não pode assimilar”. A vida tem em comum ao Morrison e a Corbière, talvez uma morte prematura. Corbière impressiona Tugny não por seu único livro, “Os amores amarelos”, mas pelo encanto da vida na literatura.
A obra única do Corbière teve a tradução no Brasil no final dos anos 90 do século passado. Não é fácil encontrar escritores assim por esse país, Corbière, Tugny, este que vem do seu criador, um anarco-criador, no texto e na música que faz sua obra sob a égide da linguagem, dos nomes, das formas, da cores em notas e que ainda escreve à mão pelos dedos de Emmanuel Tugny. Nada melhor do que o Tugny homenagear a vida deste outro poeta que veio ao conhecimento do público através de Verlaine, em 1884, com Les Poètes maudits.
Morrer como Corbière é um romance que fragmenta a vida do escritor nas partes que compõem o texto, a forma vem como um barco que traz o alimento com a linguagem em direção as areias. O leitor se sentirá nesse barco, esse marinheiro ao encontro da terra. E nada melhor que conhecer o texto de Emmanuel Tugny nesse sonho de Tristan Corbière em Morlaix.


Fragmento de Morrer como Corbière

O poeta fala errado e alto; sua palavra é detida desde língua e silêncio. Mas isso é literatura e o garoto que virou ankou, o garoto arquiteto de carnavais em si, tendo-os constatado fora de si, o garoto doente que virou energúmeno, possuído, atravessado por um riso enorme diante da vida tomada em reverso e vista, a vida zombeteira naquilo mesmo em que ela se devora, finalmente se engendrou: ele não é mais Édouard-Joachim, não é mais o filho de Édouard, mas sim Tristan Corbière, ou seja, filho de si mesmo, filho do mergulho na verdade mórbida e, nisso mesmo, hilariante, criança triste de riso amarelo; já foi dito, os Tristans são filhos de mães mortas no parto: Tristan acabou se matando ao dar a luz a si mesmo, matou nele a fantasia crucial de uma vida e de um mundo em desenvolvimento desde vida e mundo. Matou em si a própria ideia de sentido.
Emmanuel Tugny

domingo, 20 de setembro de 2009

A ocupação do sol


Foto do outono na feirinha do Bom Fim- Porto Alegre - março de 2009.


"O homem original são todos os homens." Octavio Paz

Ando pensando na possibilidade das luzes, da clareza através da luz entre as árvores, em certas regiões da cidade. O sol que vem no vão dos prédios, esse sol, o mesmo do inverno, agora esse de setembro no Bom Fim, no sábado, saindo da locadora a caminho da feira de sábado. Ontem, quase sempre no mesmo horário, lá por volta das 17hs. Fim de tarde. O sol lá. Esse sol que entra, das árvores escorre, espalha e corta os prédios e dá um tom no asfalto plúmbeo ocupando o lugar da solidão com essa luz fantástica. Uma luz que dá vontade ficar parado olhando até o fim da última réstia de cor sobre as pessoas que ali passam. Vou direto. Não tinha como registrar na minha câmera. Quase ninguém se preocupa com esse cotidiano das luzes e sim das coisas e das pessoas. Sempre o mesmo trajeto, comprar na feirinha. Volto cansado do jogo, volto e fico feliz quando esse sol lá está na espera dos meus olhos. Definitivamente, no verão não terei esse mesmo prazer. Essa cidade funciona bem no outono, inverno e primavera com seus dias de sol ao cair da tarde.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Raízes do Mal de Maurice Dantec


Capa de Eduardo Miotto

Lançamento em outubro de 2009.
Raízes do Mal de Maurice Dantec.
Tradução de Juremir Machado da Silva
Romance que abre a coleção policial da Editora Sulina, "Flores do Mal".


Andreas Schaltzmann começou a matar porque seu estômago estava apodrecendo.
Não era um fenômeno isolado, muito ao contrário. Fazia algum tempo que as ondas cósmicas emitidas pelos aliens mudavam os seus órgãos de lugar. O cérebro dele foi submetido a um bombardeio de radiações com o objetivo de transformá-lo, como todos os outros, num robô sem consciência a serviço de uma maquinaria inumana.
Havia alguns anos que os nazistas e os habitantes de Vega estavam instalados no seu bairro. Era certo que eles não ficavam só ali. Por toda parte, inclusive nos mais altos escalões do Estado, o complô das Criaturas do Espaço estendia as suas ramificações destrutivas. Andreas dava-se conta disso a cada dia olhando os programas de televisão. O apresentador de um jogo conspirava contra o Papa e contra o primeiro-ministro Balladur, tudo levando a crer que transformava as pessoas em bonecos.
Nessa época, Andreas já havia raspado a cabeça para “controlar o osso do crânio que mudava de forma”, mas fazia algum tempo que usava um boné de beisebol para se proteger dos raios físicos.
Naquela manhã, Andreas percebeu que seu estomago estava apodrecendo quando o tubo de pasta de dente começou a brilhar antes de se transformar em carne morta. Uma lama sanguinolenta com cheiro de esgoto escorreu entre os seus dedos formando um turbilhão em torno do ralo e fazendo um barulho incrível de sucção. Olhou-se no espelho e viu o espetáculo de um monte de carne viva rasgando-se em vários pedaços até se espalhar pelo chão.




Capa da edição francesa de Les Racines du Mal

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...