sexta-feira, 21 de novembro de 2008

O amor segundo Charles Baudelaire- A uma passante
















Capa de Danni Calixto




Reescandalizar Baudelaire,
ou como ser fielmente infiel


Esta tradução é uma homenagem e um diálogo com três
dos maiores e mais consagrados tradutores brasileiros de Charles Baudelaire: Jamil Almansur Haddad, Ivan Junqueira e Guilherme de Almeida. Os dois primeiros traduziram a totalidade de As Flores do Mal. O poeta Guilherme de Almeida escolheu as suas flores entre as Flores. Por que recomeçar o que outros já fizeram com talento e rigor? Antes de tudo, por paixão. O Baudelaire de Haddad aparece vertido na precisão da métrica e do ritmo, mas o tempo o “academicizou”. O poeta que escandalizou seu tempo, cuja obra, do ponto de vista vocabular, na língua de origem, mantém-se praticamente intemporal, o que lhe dá uma extraordinária sensação de atualidade, no português de Haddad tem a marca, possivelmente, dos anos 1950. (...)
Os critérios aqui são, exclusivamente, a paixão e o caos. Desta tradução, o mínimo que se pode dizer é que já nasce datada, com gírias e clichês da minha época. Pós-moderna, quer encontrar qualidades em seus defeitos, totalidade na sua absoluta parcialidade e permanência na sua efemeridade. Tradução “indefinitiva”, mais fascinada pelo vulgar do que pelo rebuscado, mais interessada nos bordéis do que nas academias, mas, ainda assim, elitista, pois voltada aos que seriam capazes de cometer atentados-suicida pela poesia. Anacrônico, Baudelaire era um homem-bomba poético. Eu continuo fazendo retoques e cometendo novas heresias, fiel à infidelidade de Baudelaire.

Juremir Machado da Silva
Porto Alegre, 2008.


À une passante

La rue assourdissante autour de moi hurlait.
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse ,
Une femme passa, d' une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l'ourlet;
Agile et noble, avec sa jambe de stautue.
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l'ouragan,
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.
Un éclair...puis la nuit! - Fugitive beauté
Dont le regard m'a fait soudainement renaître,
Ne te verrai-je plus que dans l'eternité?
Ailleurs, bien loin d'ici! trop tard! "jamais" peut-être!
Car j'ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j'eusse aimée, ô toi qui le savais!

A UMA PASSANTE
Tradução de Juremir Machado da Silva


A rua ensurdecedora num alarido rugia em torno.
Alta, magra, toda de luto, dor majestosa,
Passou uma mulher, com a sua mão suntuosa
Levantando, balançando do vestido seu contorno.

Ágil e nobre, com as suas pernas de gata.
Eu bebia crispado e esquisito como um falcão
No olhar, céu lívido que germina um furacão,
A doçura que fascina e o prazer que mata.

Um relâmpago... a noite! – Fugidia beleza,
Cujo olhar me fez de repente nascer outra vez,
Só te reverei na eternidade com certeza?

Longe, bem longe: tarde demais! Nunca talvez!
Não sei para onde foges, não sabes aonde eu vou,
Ó você que eu teria amado, ó você que não ousou!



A Uma Passante
Tradução de Guilherme de Almeida


A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;

Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daquí! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!


A uma Passante
Tradução de Jamil Haddad


A rua em derredor era um ruído incomum,
Longa, magra, de luto e na dor majestosa,
Uma mulher passou e com a mão faustosa
Erguendo, balançando o festão e o debrum;
Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.
Eu bebia perdido em minha crispação
No seu olhar, céu que germina o furacão,
A doçura que se embala e o frenesi que mata.
Um relâmpago, e após a noite! – Aérea beldade,
E cujo olhar me fez renascer de repente,
Só te verei um dia e já na eternidade?
Bem longe, tarde, além, "jamais" provavelmente!
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado – e o sabias demais!

A uma passante
Tradução de Ivan Junqueira


A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.
Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.
Que luz... e a noite após! – Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! "nunca" talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Beijo




Minha boca em tua boca,
teus lábios em minha língua,
o retorno dos sentidos após a leitura
tem o instante em teus seios
que só revelam depois do beijo o gosto de noites do Sul.

domingo, 16 de novembro de 2008

O instante final da literatura


Guliette Greco



“Se o sexo só existe falado, discorrido, confessado, o que haveria antes que se falasse dele?” Jean Baudrillard



A literatura é como o poder por já não estar em lugar algum, está em todo lugar: na praça, no imaginário mais tacanho do leitor de auto-ajuda ao leitor de romances legitimados pela cultura da maioria elitizada. A literatura do Sul, do Brasil, essa literatura não está mais no plano do Real, porque se assim estivesse ela sucumbiria mais adiante no excesso das coisas que já não conseguem mais produzir o Real. Enfastiada de letras a praça se esvazia mas você continua no tempo, atirada, à espera da noite, do som, de beijos, do acordar em meio a tanto desprezo dos leitores que no tempo passam entre a beleza e o envelhecimento da juventude.

Crepúsculo da 54ª Feira do Livro de Porto Alegre


No cais do porto, onde os livros se banham ao fim da tarde.

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...