sábado, 29 de dezembro de 2007

O Homem Nômade e a disjunção das imagens




"O cinema mostra-nos um mundo que cabe em nossos desejos." André Bazin


Lembro de dois diálogos do cinema, um do filme que tem a narração no fundo do Paul Bowles, “O céu que nos protege” de Bernardo Bertolucci, e o outro é da Camille (Brigitte Bardot), Jack Palance e Fritz Lang (como diretor da A Odisséia) e ator. Os três pensam o cinema com Godard e atuam no “O Desprezo”, dirigido por Godard.

O primeiro, no final do filme, a voz de Bowles, sentado na parte mais escura e silenciosa do café do hotel.
Interpela a kit (Débora Winger).

Narrador: Você está perdida?
Sim (Kit)
Narrador: As coisas acontecem um número de vezes. Um pequeno número, na verdade. Por quantas vezes você se lembrou de uma tarde de sua infância, uma tarde tão comum, mas que você não poderia viver sem ela? Talvez umas quatro ou cinco vezes. Talvez nem isso. Quantas vezes você irá admirar a lua? Talvez vinte. E ainda assim parece sem limites.



Se se está perdido é porque a idéia de viajar era partir o tempo real das coisas, do retorno ao vazio e desde já se estava no deserto sentindo a sensação mais absoluta dos sentimentos, da solidão que é salva pela música e pela imagem.

O outro momento, no filme do Godard, a voz do narrador:


Na esperança de racionalizar, sentimentos ficaram turvos e obscuros.
Camille: Parece que está me observando para decidir que atitude apropriada irá tomar
(diz ela ao marido, roteirista, que tinha sido contratado para trabalhar na filmagem de A Odisséia).

O cinema é esse mundo em que os desejos todos estão postos. Prontos para se perderem nas imagens e nas músicas.

sábado, 8 de dezembro de 2007

O Homem Nômade: Esqueça as narrativas de iludir razões.







Foto de Jean Baudrillard -"Amsterdam"


A ebulição que anima o globo é que é também a ebulição do sujeito (pensa Bataille), mas o sujeito em ebulição propriamente dito em total consumo de si. Esse é o passo para o pensamento radical.O pensamento crítico, aqui seria o da acumulação, que busca através do objeto, em pesquisa, o seu valor de “uma operação fria e calculada”.Assim, como em “1919”, Sakamoto contorna esse frio com a atonalidade melódica que vai ao seu excesso até os acordes de um pensar radical na música. O mesmo ocorre na escritura de Bataille e muitos anos antes já parecia estar na parte do liberar de energias no instante eterno das palavras.Assim como a economia se expressa pelo acumulo, mas para Bataille, ela é apenas uma soma calculada e fria que terá seu valor no instante.
O instante da comunicação deixa de ser eterno para ser a energia vinda da informação e para melhor fechar a cadeia do conhecimento ela se perde no fragmento da narrativa partida.O que temos é o instante das coisas, a ilusão da informação e a ilusão de acumular conhecimentos. O falar por falar se expressa nessa economia sem os acordes atonais. De onde vem isso tudo?

sábado, 1 de dezembro de 2007

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Lisboa e o fim das Imagens


Asas do Desejo- Wim Wenders







“Que o homem seja libertado da vingança.”
Nietzsche

Os estilhaços do cristal do cálice foram direto aos olhos de Suzana. Um grito seco ouvi. Enquanto subia as escadas do velho prédio meu pensamento foi direto ao acidente, numa queda as coisas podem mudar para sempre. Corri até a porta e entrei. Lá estava ela atirada no meio do quarto, nua, com um corte na altura dos olhos. Alguma coisa sangrava. Estava ferida. Ela chorava e dizia ter tropeçado em algo e não enxergava nada. Nada. Proferi com lágrimas nos meus olhos para toda Lisboa ouvir.
Lembro de ter acordado ao lado dela no quarto do hospital. Tinha sido um susto. A partir daquele momento não voltamos mais a mesma cena, ao tempo que nos levava ao lúdico, porque ela ficaria direto no hospital. Eu voltei para casa sozinho. Retomaria minha vida. Os pais dela estavam chegando. Eu tinha conseguido a cirurgia. Meus estudos, pesquisa para o próximo livro e meu trabalho me absorviam o dia todo. À noite me restava ficar em casa lendo, tomando um vinho, e de vez em quando sair para algum bar sozinho pela Lisboa. O fato de ela ter caído no quarto foi o motivo de nossa história terminar para ela. Me senti aliviado. Não suportava a idéia de ser mais do que um namorado, seu parceiro de viagem, homem bom que cuidou do tratamento médico em Portugal. Absolutamente nada nos uniria mais depois de eu ter lido em seus pensamentos que não existia espaço para a cumplicidade alguma daí em diante. Apenas as lembranças. Sua voz em minha solidão.
—Por que não vem aqui ver como está o meu corpo. Me beijar e depois cuidar de mim? Chegava ao seu lado, tocando seu corpo, mordendo sua voz, olhando seus olhinhos que brilhavam de desejo, de tesão e ela dizia em tom de protesto: — Você ainda irá cansar de me comer ouvindo essa música.
Eu não me cansava de estar ao seu lado. Transávamos e noutro dia, tudo se repetia. O cotidiano de nossas vidas era matar todos os mitos em cada sol que surgia, em cada chuva, em cada mudança de humor e nos textos que andava lendo na época. Agora sozinho eu tinha dimensão das decisões, e do que eu não me importaria mais olhar para trás, não por ela, mas por aquilo tinha vivido ao lado de Suzana. Não haveria problema nenhum de me mudar de cidade, por enquanto Lisboa era a parte do meu mundo.
Minha rotina foi alterada. Todas manhãs fazia uma hora de caminhada e logo me tocava para a universidade. Do meu gabinete dirigia a coleção de livros de filosofia contemporânea, uma homenagem ao Bataille, Col. A Parte Maldita, que era uma co-edição com uma editora brasileira. Era daqui que eu tirava minha grana mesmo. Com isso eu e a Suzana gastamos além da conta durante aquele período. Não mais agora. Não mais ao meu lado, mas todo o tratamento eu assumi. Com isso ganhei minha liberdade e a perdi para sempre. Tudo em nome da liberdade de nossas vidas.
Lembrei disso: Gostei disso na boca de uma quase-cega. Um cego, de fato, não apalpa mais as imagens. Ele apalpa as coisas, terrivelmente concretas.

domingo, 11 de novembro de 2007

Andaluzia



Foto: Sophie Calle












Ali está o corpo da mulher
Linda, se confunde com fragmentos de um poema,
Com os passos de uma bailarina.
As mãos gesticulam, as pernas contornam a alma.

O riso de Andaluzia percorre a sala em passadas na dança frenesi. Do açoite da chuva fria
A madrugada respinga no fogo que se mistura ao incenso.

Ali está a noite dos sonhos compartilhados
Entre loucos, tristezas, vozes sobre o nada.
Ali está o tecido da vida
Cobrindo as diferenças das desilusões,
Queimando o dorso da dança na pele
A faísca da voz como cello que se perde
Entre os olhares do vento que desnuda o vazio.

Ali está quem nos espia, fera solitária, foge da solidão.
Embebida no vinho que escorre corpo adentro
Feito esperma.

Ali está a mulher, linda, feito noites de Andaluzia
Percorre a sala em sua dança,
Corta o fogo e o silêncio falando da infância.
Com suas pernas de poesia silenciosa
Que decifram os olhos da chuva fria, ali está a mulher.

Ali está a noite dividindo o fogo,
Um pouco da solidão, o vinho entre dedos
Que mancha com as vozes, a fumaça do incenso.
Ali está os passos vagos como o riso
Que espia a precisão das palavras da poesia

Ali está o vento soturno
Dando trégua a todos que se cruzam em noites bêbadas.
Ali está o som, as quebras e as partes
Rasgando nossas vidas como facas
Que imolam as tristezas no sapateado
Da mulher que ali está.

domingo, 4 de novembro de 2007

Lisboa


Foto: Sophie Calle

"Todo zonzo e descabelado, todo bobo de felicidade, todo turvo de sexo, de pele e de idéias sobre minha nova vida." Paul Auster em O Livro das Ilusões





Ando perdido, perdido nas palavras impronunciáveis, em rastros deixados pelos signos. Ando ao encontro da perdição do Ser. Vagalumeando encontro-me nas páginas de um Auster até o amanhecer.

Aquilo já era tarde pensei. Suzana ainda estava dormindo. Chegou cansada de nossa viagem pelo interior de Portugal. O carro que nos trouxe, aliás, um motorista que fora emprestado pelo diretor da Universidade Livre de Lisboa. O motorista particular do diretor ficou vigiando-nos durante dois dias seguidos. Mais parecia um policial da migração olhando nossos passos. Nos levou de Lisboa até Porto. Nos divertimos. Suzana estava feliz. Por dois breves dias tinha esquecido o transplante de córneas que teria que fazer. Aceitei o convite de ser pesquisador para ficar ao lado dela, já que eu tinha conseguido um tratamento adequado aqui. Ela não poderia ficar sozinha em Londres esperando que alguma coisa acontecesse. Nada mais aconteceria na vida dela que não fosse a medicina e nem meu dinheiro já era suficiente para dor e dispersão diária dela. Não havia lamento naquela mulher. Havia um olhar perdido a cada manhã.
Chegamos 19 horas. Ela tomou banho e foi dormir. Eu tive tempo de ler os e-mails, entrar no msn e parti para derrubar a terceira garrafa de vinho tinto português comprado na viagem pelo interior daquele país fascinante. Lembrei do filme do Win Wenders, de Madredeus tocando no cd do carro. Ali Suzana, linda, seminua, tudo transparente, sem calcinhas, as formas do corpo, seu cheiro exalando nosso pequeno studio, um estilo de loft improvisado mas aconchegante. Um computador pra ela, meu notebook, uma escrivaninha apenas para ela, minha mesa pequena. Os livros atirados, as roupas dependuradas e um armário só para Suzana. Tudo ao dispor de sua infinitude. Dá vontade de não se perder na escuridão, catarolava ela num pequeno poema que tinha dedicado aos seus olhos. Logo Suzana, de lindos olhos prestes a cegar. Tanto importa dizia, queria mais ficar ao lado da vida do que qualquer outra pessoa naquela cidade.
Justamente eu que estou trabalhando com imagens, com os signos transpostos da escrita para o cinema, ou do que foi filmado. Resgato esses signos, ao mesmo tempo, que busco a cura da Suzana e a escrita nos alimenta. Um estudo fenomenológico da imagem. Suzana deitada. Ela desperta e no exato momento toca Satie, “Gymnopedies” bem baixinho, justamente para não acordá-la, mas ela me sorri, e pergunta:
— António como é mesmo o nome dessa música linda, Trois Gymnopedie? Aprendi a gostar de coisa assim, na lentidão das folhas que caem, como você costuma dizer. Mas o que mesmo significa essa música, qual a origem? Você já me contou mais de uma dezena de vezes, mas cada vez que conta, sinto vontade de poder dançar novamente, mas já não me sinto segura tanto assim. Estou cada vez mais longe das imagens, como se elas não fossem mais papáveis. Só você consegue uma coisa e vem e me trazer elas de volta. Como posso sentir tanta coisa agora, logo agora que tenho medo?
Fico olhando Suzana, falando sem parar e dizer tudo isso, um reclamar que se renova nas manhãs que ela sente o fim de sua dança. Ainda resta vinho e eu digo que não era para se preocupar que no presente momento restava sete garrafas e que tinha ido numa delicatesse enquanto dormia e comprara uns vinhos com a primeira grana do mês recebida. Minhas economias dariam para um bom tempo caso não tivesse vindo a Lisboa e tivesse ficado no Rio enquanto via a distância Suzana sozinha em Londres.
Ela deitada, agora de bruços e conversando comigo, com as pernas para cima, os pés como se tivesse nadando, pedia um cálice. Sua bunda linda, erguia o braço pra pegar o cálice e pedia um beijo. Sempre a mesma pergunta
— Você acha que seremos felizes, ainda mais um tempo, mais do que o que resta para mim? Será que vai deixar de olhar para o meu corpo pra olhar para outra vagabunda?
Eu sempre respondia a mesma coisa. Depende da circunstância, se eu tivesse com uma arma na cabeça apontada e alguém me dissesse, esquece a Suzana se não você morre. Eu diria. Sim, esqueço. Não posso lembrar de quem não está mais ao meu lado. A vida sempre foi assim pra mim. Sempre amei aquilo que está ao meu lado. Me torno um escudeiro, um lobo feroz protegendo sua fêmea, seus filhos, seus, porque não tinha filhos. Aí ela ri e diz: - Você sempre recusando o destino com a tua velha mania filosófica do Acaso, da entropia..etc..e tal.

sábado, 27 de outubro de 2007

A Cotidianidade da Vida


Foto de Sophie Calle



UM RIBOMBAR:
a própria verdade
que entre as pessoas
surgiu,
em meio ao
turbilhão de metáforas.
Paul Celan em “Cristal”, tradução de Claudia Cavalcanti, Ed. Iluminuras.




Retomo o olhar à pre-sença dos tempos, lá no fundo da sala existe o obscuro da vida.
O que está no quadro é a imagem delimitada da exterioridade que brotou do interior.
O cotidiano da palavra, a perdição e o encontro das coisas ocultas.
Ali achei meus olhos a compreender imagens e sons que já tinha esquecido, mas acabo por encontrá-los no sentido existencial da cotidianidade.
É ilusório lembrar que contar os dias acumulo o cotidiano, como se tivesse próximo da verdade ontológica do ser.
Prefiro revestir as parte da casa com o tempo de vida, com o eterno ontem e o presente sempre antes que o amanhã bata à porta.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

O Editor de Romances-(fragmentos) 2007


                                             Foto de Sophie Calle


“Minha pele se tornara um palimpsesto de sensações fugazes, e cada camada trazia a impressão de quem eu era.”                                                                                 Paul Auster


Eu vi a melancolia nesses anos todos rondando a casa dos sonhos, dos dias, as noites turvas, os namoros da juventude. Da adolescência mais atrás, minha infância. Mas nunca vi com tanta clareza como nesses últimos anos.
Saltimbancos divertindo os outros. Padres salvando almas. Jamais vi flores mortas sendo recolhidas dos parques por assassinos. Nunca sonhei com tantas idéias mortas e inúteis como nesses últimos anos.
Parece o fim. Mas não finda o fim das coisas, e tudo que já se esgotou pelas próprias mãos recomeçou em mãos alheias sem que eu menos pudesse esperar. Eu penso no primeiro amor dos meus 14 anos, nas primeiras ações dos primeiros dias de como a tristeza e como a alegria ao lado perfilou os sonhos e vigílias.
A insônia acompanhou as noites dessa essa época. Primeiro pelas noites mal dormidas de um reumatismo na perna quando tinha 15 anos, depois a realidade tomando conta da adolescência e tudo se desvendando, se mostrando na concretude sem realidade nenhuma, apenas as paredes dos dias cinzas de inverno.
Agora as noites se acumulam em minha vida e cada noite é igual ao sol que nasce todos os dias, mas a solidão acompanha minha insônia como a única e verdadeira amiga ao meu lado. O certo que é esse imaginário é o remédio para o medo, afugenta-o nas horas inesperadas.
Agora conto com os teus dotes culinários, beijos lânguidos e molhados. Deixamos para trás o Brasil, o buraco deixado do cigarro em minha cama. Um país distante. Um cálice quebrado na sala, um livro que levou emprestado, um CD que roubei de sua casa e as notas dos perfumes que comprei e que nunca saíram de minha casa. Nossa última noite no país foi como uma cantata noturna que tirou o nosso sono até o segundo final da despedida. Era abril.
Na França vivemos a maior parte do tempo inventando coisas para fazermos nas horas vagas. Minhas aulas são apenas seminários e ainda por cima você cuida de crianças numa casa de americanos próximo de nosso apartamento. A única a falar inglês. Isso é um alento. Não sei dizer nada além de um francês precário.
Você costuma dizer - Paris nunca nos cansará. O dinheiro é suficiente para os dois e ainda resta alguma coisa para as viagens de reconhecimento da velha cultura e podermos entrar os séculos adentro.
(Postado em 23 de outubro de 2007)


domingo, 21 de outubro de 2007

O tempo das entranhas


Foto de Jean Baudrillard



“Abrindo à tarde as órbitas musgosas
— Vazias? Menos que misteriosas —
Pestaneja, estremece... O muro sente!”
O Muro de Pedro Kilkerry

Retirando os espinhos do corpo
Dezenas de anos que ficaram encravados na pele
E mais anos e anos que morreram com o corpo que sofreu a humilhação.
Mulher talhada para o prazer do pecador, do torturador,
Que da Grande Guerra só restou a hospitalidade do seu intruso.
Do explorador, a dor, dos menores, o rancor para o resto dos dias e da própria injustiça o pecado vindo como água nas cisternas dos altos da cidade até o vão entre o muro de Kilkerry.
És uma mulher fraca diante das injustiças, uma mulher egoísta diante do olhar choroso dos latinos, dos árabes, dos negros, das flores secas do deserto que não mais florescem.
Te perdi entre o torpor dos olhos sanguinolentos dos que fazem da verdade a suprema da corte o apogeu. Depois te encontrei novamente, nua, de um lado ao outro, aos olhos dos estranhos e só para nunca mais me esquecer, esquecer de tudo a recitar: “É onde a volúpia está de uma asa e outra asa...” de Kilkerry.
Releio “É o Silêncio”, poema vindo das mãos de Augusto de Campos, em que Kilkerry me traz à lembrança de vê-la nua na sala:
“É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz nalgum volume sobre a mesa...
Mas o sangue da luz em cada folha”.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007


Foto de Carlos Martins "Olhos de Juliana"

O encontro através do espelho:


A dor no espelho esperando sua vez,
A solidão em presença na espera
É a distância quando dança,
Na presença dos teus olhos que falam baixinho sobre a ausência dos meus dias.


O encontro nas ruas:

Caminhava perdidamente, enlouquecido pela falta da língua alheia, da boca de outro, da maquinaria das linguagens em minha vida, da vida de um corpo com signo, de uma voz feminina em minha vida.
Saí de uma casa e fiquei na espreita do medo da solidão, mas nada disso poderia me alcançar diante de todas as perguntas sobre as inexeqüíveis palavras sobre a liberdade.

O encontro na vida:

Olhava perdido em sua vida, a solidão sempre se transformando, vagueando, removendo a dor com os dedos das cores.
Sei o que fazer delas diante de nossa cumplicidade que busca um lugar para estarmos nos próximos anos de nossas vidas.

domingo, 30 de setembro de 2007

O homem nômade e o imaginário de uma geração


Foto de Jean Baudrillard




“A menos que, por uma alquimia cujo segredo é preciso encontrar, as armas da crítica possam servir à crítica das armas.” Michel Maffesoli

“Meu partido é um coração partido e as ilusões estão todas perdidas. Os meus sonhos foram todos vendidos...” Cazuza



Palavras-chave: imaginário, ideologia, lógica da dominação.

O homem nômade ergométrico lembra da letra em que Cazuza cantou “ideologia, eu quero uma para viver”. Cazuza, esse istmo entre os sonhos da Modernidade e o desencantamento, não da poesia, mas do fato de se estar no mundo, acreditando na tão prometida revolução e nos valores mais supremos que poderiam estar chegando a um Brasil “jovem”, como os ideólogos gostam de proferir.
Aquele garoto viveu antes de todos o imaginário da “revolta da poesia”, qual Maffesoli escreveu nos anos 70 propondo um pouco da aura marginal do onírico para combater a racionalização dos excessos da ideologia. Daí, mais tarde, a revolta da poesia procurar a ideologia apenas para se viver o prazer para não se transformar futuramente em risco de vida.
Não há confusão nisso, há apropriação de termos, conceitos apenas por parte dos ideólogos, porque eles jamais entenderiam o que Cazuza tentou dizer, porque sempre acharam que Cazuza gostaria de ter essa ideologia social. A constatação está nos heróis que morreram para ele, seja na luta armada ou de overdose. A dose era de Vida e não de ordem.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O IMAGINAR DAS PALAVRAS


Les Amants-1904-Picasso



“Nós somos o seu mundo e elas o nosso. Para capturar a linguagem não precisamos mais que usá-las. As redes de pescar palavras são feitas de palavras.”
Octavio Paz




O que não nos permite mais nos vermos, é o que permite de nós sermos sozinhos, por breve espaço do tempo, onde tudo se evaporou. Hoje ficou um vazio, uma solidão alojada ao lado do corpo inerte.

A tortuosa solidão está aí, na tela, no espaço entre os minutos que não lembraremos nunca mais e o que não permitirá que eu vá mais além, mas mesmo assim, mesmo, existe um processo de memória recente, algo que tange o lado sensível da reflexão. E os outros sentidos? O espaço imaginal, lugar em que tecemos nossos sonhos, e de lá tratamos de registrar, esse espaço que é o lugar do momento mútuo de ainda existir a possibilidade dos encontros.

Como se eu sentisse algo por alguém no plano virtual, mas que a ideia, numa construção, acaba dando espaço para a memória reconstituir todos os dias essa ideia.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

O homem nômade ergométrico (parte 3)


Normandie, 1996- Jean Baudrillard



“A repetição não se contenta em multiplicar os exemplares sob o mesmo conceito; ela coloca o conceito fora de si e faz com que ele exista em outros exemplares hic et nunc. Ela fragmenta a própria identidade, como Demócrito fragmentou e multiplicou em átomos o Ser-Uno de Parmênides.”
Gilles Deleuze em Diferença e Repetição

Palavras-chave: nomadismo, diferença, movimento e fixo e repetição, Nietzsche, Deleuze e Maffesoli

O homem nômade ergométrico, já sem as restrições morais, talvez por ter lido demais literatura, ouvido demais música clássica e uma diversidade contemporânea de pop pós-rock, ele, este homem crê na diferença e como afirma Deleuze: para essa diferença não ser apenas a negatividade da vida teremos que observar a repetição como ziguezagueando o conceito para se mostrar fora do fixo.
O homem nômade na sua esteira é feminino/masculino. É parte quebrada da afirmação racional das categorias kantianas, portanto, todos os nômades não ficam fixo e se atrevem a nunca se apegar ao historicismo e crenças do Estado. Ele não gosta dos restauradores porque eles simplesmente restauram porcarias para os movimentos dos outros. A crença na Verdade é uma das coisas que o homem nômade combate no cotidiano, a outra; bem, ela passa ao lado da avenida em dia de desfile patriótico e cultura de sua santa cidade.

sábado, 15 de setembro de 2007

A Verdade não me seduz


Foto de Sophie Calle






A Verdade anda longe das possibilidades da Aventura e da Liberdade. Aventura pára em um ponto onde a linguagem possa ser alcançada e sem que depois nos arrependamos do que pensar nos possíveis estragos. A aventura das palavras e das frases, aquilo que Paul Ricoeur nos mostra, “ela faz surgir, no próprio cerne da semântica da palavra, uma incerteza, uma inquietação, um espaço de jogo, a favor do qual se torna de novo possível lançar uma ponte entre a semântica da frase e a semântica de palavra”. Uma interação entre a aventura e o que se escreve sobre o que se pensa e dizemos.
Retomo todos os dias, pelas manhãs preferencialmente, temas que considero pertinente à compreensão do cotidiano. Um deles é sobre o postulado da palavra Verdade nesta compreensão. Não há juízo nenhum que me faça a crer que a Ciências Humanas se vale dela para poder melhor chegar a conclusivas sem que o fim possa ser surpreendente. Mais uma vez, isso, escrito apenas em 1977 por Barthes, no livro “Leçon”, lá se vão anos, e o positivismo na cabeça dos acadêmicos ainda dá o nó necessário para no mínimo afastá-los de vez da compreensão do cotidiano de uma leitura mais livre das escrituras. Adeus ao pensamento único e salve a transdisciplinaridade!!!
A “literatura trabalha nos interstícios da ciência”, escreveu Barthes e mais: “A ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos importa”, e depois é ler Morin ou Deleuze, Lyotard para arejar numa manhã de sábado.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

As imagens percebidas


Sophie Calle







Duas imagens agora em minha memória, a primeira do poema de Baudelaire “Car je sui ton bom ange” de eu ser teu anjo bom e a outra, Paul Celan “iça, onde moras, sua capital, a inocupável”.
Retomar esses signos como força de expressar uma manhã de sol, em que os anjos só aparecem em sonhos, a morte ronda e vigia os que dormem e depois, percorrer os lugares inocupáveis da cidade invisível.
Como se o telefone ao lado pudesse rever os escritos fenomenológicos de Merleau-Ponty quando diz que “o movimento de reflexão ultrapassaria a finalidade: transportar-nos-ia de um mundo fixo determinado a uma consciência sem falha, ainda que o objeto percebido seja animado por uma vida secreta e que a percepção como unidade se refaz sem parar.”
Percebo que não adianta usar o telefone ou simplesmente entrarmos na blogosfera para ter a compreensão da vida secreta de um anjo ou de uma cidade escondida.

domingo, 9 de setembro de 2007


Foto de Sophie Calle



Do Real ao Imaginário

“O que é dito não atormenta mais e por isso mesmo tranquiliza.”
Da Lógica da Dominação de Michel Maffesoli



É preciso se estar acordado para podermos sonhar no ínterim em que conhecemos as pessoas até o momento que o estranhamento toma seu lugar de origem, qual seja, o de nos defrontarmos com situações inusitadas e de imaginarmos dentro do mundo, do imaginário das pessoas até perdermos o horizonte do nosso mundo.
O que é sonhado é aprendido no momento que tomamos a forma de lembrar, de narrar, quando tomamos as rédeas deste sonho e conseguimos nos safar dos desfechos reais. Muitas vezes optamos por estar no ambiente catártico do sonho tomando forma e corpo de escritura. A Maquinaria de Linguagem é esse retorno ao onírico, ao imaginário dos amantes, do pensamento que não se priva de conhecer o Outro sem que possa acordar e prontamente levantar com os que ainda estão sonhando na realidade.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Diário da China de Edgar Morin


Capa de Eduardo Miotto
Tradução de Edgard de Assis Carvalho



Texto inédito que sairá pela Editora Sulina de Edgar Morin. O livro se chama Diário da China. A primeira edição está sob os meus cuidados. Lançamento neste mês de setembro. Morin virá aos leitores com a primavera. Aí vai uma provinha.

30/8/1992
Antes da partida para a China

Antes da viagem, me dou conta de que ignoro quase tudo sobre a China, a mais antiga civilização do mundo. Em minha memória não retive quase nada das antigas leituras que fiz das obras de Granet e Grousset . Imobilizado por quinze dias pelos efeitos provocados por um lumbago, foi com grande prazer que li o romance À beira d’água. O que depreendi de sua leitura foi que eles, os chineses, são como nós e, ao mesmo tempo, diferente de nós. Eu que sempre reitero minha pretensão de possuir um espírito planetário, tinha apenas noções e informações esparsas sobre essa imensa região do planeta. Na época do maoísmo triunfante e repleto de glória, motivado por minha obsessão pelo problema comunista, passei a concentrar minha atenção sobre a China.

domingo, 2 de setembro de 2007


Foto de Jean Baudrillard- London, 1997



A desaparição do mito e a ilusão do cinema



Não há cadáver do real, e por isso mesmo o real não está morto: ele desapareceu.
Jean Baudrillard
O sonho de todo artista é transformar cada idéia em algo ao mesmo tempo cômico e dramático, verdadeiro e falso.
Fançois Truffaut


Jean Baudrillard retoma à superfície o imaginário do cinema no cenário em que a história deveria ser a protagonista. A literatura apresenta sua força partindo de um real lançado num tempo que transcende o histórico. Ray Bradbury narra o que o filme apresenta para além da crítica social que se poderia ter na história. A história acaba o momento que a imagem toma conta do que é contado.
Para Jean Baudrillard a história é o nosso referencial perdido e o cinema assumiu esse rastro de mito que encontrou sua construção na representação deixada no lugar do acontecimento que se esfacelou. Aquilo que nunca se desfez em nome de uma razão, em nome de uma verdade última é que se jogou na lata do lixo do Ocidente. Assim como se buscou legitimar uma verdade, também se tentou negar todo desvio advindo do cotidiano, do homem, do ludismo, do prazer individual para salvaguardar, numa tentativa, religiosa e moralista, os pressuposto de um homem arranjado para o futuro, pronto para sempre ir além da razão comum.
A história em seu congelamento, um belo dia invade o cinema, dirá Baudrillard. Para alguns em forma da transformação do tempo entre a narrativa e a imagem; para outros, uma barroquização do conteúdo, transformando o real na imagem mais clara daquilo que já não apenas representa mas apresenta o mito em sua extensão.
O excesso de acontecimento anulou a própria possibilidade de ação histórica e onde se via o uno passou a se ver o fragmento das partes sendo contada, narrada através do cinema, da literatura e da imagem que não apenas dá seu signo ao tempo, mas reinventa esse tempo. É o que nos mostra Baudrillard,

O grande acontecimento deste período, o grande traumatismo é esta agonia dos referenciais fortes, a agonia do real e do racional que abre as suas portas para uma era de simulação (Simulação e Simulacro, p. 60).

Esses referenciais perdidos encontram linguagens que no cinema terão seu punctum, como no conceito de Roland Barthes, e sua estetização é que de mais claro representará o signo desse tempo. O tempo em que os objetos se apresentam à clareza de um conteúdo que substituiu a realidade pela tentativa de ir sempre além do acontecimento.
O que narra, escreve na literatura a imagem transposta à tela e descrever o quanto o livro Fahrenheit 451 de Ray Bradbury consegue ser o signo da história em que já não há indícios de histórias. O que era representação se torna hiper-real no flagrante desaparecimento dos objetos que dão sentidos aos acontecimentos. O que se recupera já está perdido.
Truffaut capta todos os signos na narrativa literária. Transpõe uma linguagem que narra um acontecimento que será a desconstrução de uma época porque fala de uma distopia, de um tempo que reúne a idéia do tempo que se esfacela. A história toda é narrada nesse clima de um tempo que descreve uma sociedade fictícia e ao mesmo tempo, no transcorrer da narrativa inverte a imagem do real naquilo que supostamente poderia verdadeiro.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007


Foto de Jean Baudrillard, Lisboa, 1986



Da idéia ao virtual



“Quando a obra de arte se reclama de uma virtualidade na qual mergulha, ela não invoca qualquer determinação confusa, mas a estrutura completamente determinada, formada por seus elementos diferenciais genéticos, elementos tornados virtuais, tornados embrionários.”
Gilles Deleuze

Deleuze escreveu lá pelo final dos anos 60, século XX, em sua tese, “Diferença e Repetição” de que não parávamos de invocar o virtual. Isso é que tem de mais ontológico-existencial-tecnológico para a época. Hoje se legitima os conceitos de virtual, de blogosfera como se fosse a maravilha que está fundando, solidificando os verdadeiros discursos e que irão eleger os legítimos arautos da discussão. Puro engodo terminológico. Tentativas de demarcar terreno na discussão central, que é mesmo a reflexão sobre o atual, como um dia escreveu Deleuze.
Um blog, lendo Deleuze que buscou em Proust para pensar o virtual que dizia dos estados de ressonância: “Reais sem serem atuais, ideais sem serem abstratos”.
Maquinaria de Linguagem é o exercício de reflexão do dono sim. É o corpo encarnado na alma do homem nômade ergométrico, a contradição. Porque se é nômade não está parado e se é ergométrico está em sua esteira ou bicicleta ouvindo música e lendo, escrevendo, sobre si, sobre o mundo, e suas reflexões não precisam de legitimação por usar o espaço virtual, a rede, mas pelo simples fato que ali ele faz a reflexão.
A vaidade humana é o egoísmo mais próximo do indeterminado conceito, mas prefiro “noção”, sobre o virtual que apresenta a diferença como início de toda reflexão.
Maquinaria de Linguagem é ensaísmo filosófico, literário e discorre sobre a sociologia compreensiva a comunicação e incomunicabilidade das relações. Trabalha com o cotidiano cravado no peito do autor. As paixões pululam todos os dias, a cada sol e todo fim dos fins e dele não escapa nem a dor esquecida na última lágrima.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

De Nietzsche ao presenteísmo fenomenológico

“Mas o único meio de não ser reduzido ao reflexo das coisas não é, com efeito, querer o impossível?”
Georges Bataille



A irreverência de Nietzsche em fazer a transmutação de todos os valores levou o filósofo a inundar o século XX com aforismos. Em um estilo de pensar sem as rédeas da cavalaria oficial do pensamento racionalista. O filósofo foi além das certezas. Acabou de consumi-las em seus momentos de plenitude e solidão dos aforismos que veio para alegrar e não para o lamento.
A idiossincrasia do pensador, dado às polêmicas, foi o que o estigmatizou, porém seu estilo é uma nova forma de pensar a realidade. Atrevidamente sempre atentou contra à moral. No Crepúsculo dos Ídolos, o pensador ataca:

"Se nós, os imoralistas, causamos dano à virtude? Tanto quanto os anarquistas o fazem aos príncipes. Só depois que se atira contra eles é que eles voltam a estar firmemente assentados em seu trono. Moral da história: é preciso atirar contra a moral." (Nietzsche)

É preciso passar da lógica cartesiana, aristotélica para uma nova forma de pensar a cultura.
Michel Maffesoli, herdeiro do pensamento fenomenológico e da sociologia compreensiva, faz a crítica à modernidade de forma lúcida. Sem vacilar, num estilo próprio, o sociólogo fará o contorno crítico do pensamento do século XX. Por que contorno? Maffesoli se vale dá mais autêntica tradição nietszchiana de escrever no traço de G. Bataille.
Na margem marginal do pensamento, o sociólogo faz a crítica do pensamento moderno à crítica de sua valoração teológica. Aquilo que Bataille retira de Nietzsche para ver o mundo cristão com sua moral, Maffesoli o faz na sociologia e na política para desconstruir a projeto salvador do pensamento moderno.
A unidade e a linearidade são partes de um todo, de um projeto moderno que compõem o ideário moderno. A nova sociologia, se é que se pode dizer, sua tarefa metodológica é justamente pôr em cheque o postulado da totalização do sujeito em nome de uma moral teleológica.
O cotidiano é a matéria prima. O estar-juntos pressupõe a polissemia na pluralidade e nas contradições. O que na modernidade juntava, unia através da razão, na sociedade contemporânea é separado. Depois se une orgiasticamente no coletivo tribalizado. O estético é filho da cultura de massas,

"E o estetismo estigmatizado pode ser justamente uma sensibilidade teórica, que nos permita apreciar a beleza da desordem aparente, sua fecundidade também... Ao contrário do moralismo, o estetismo remete a uma forma de assentimento à vida. Nada do que a compões deve se rejeitar. É um desafio por aceitar." (Maffesoli)

O espírito dionisíaco permite esse novo homem a sentir a arte. Esse é o homem que surge nas ruas de Paris com Baudelaire, em Rimbaud e perpassa o século XX com Camus até os transeuntes do Século XXI.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007


O Cotidiano dos espíritos livres depois de Nietzsche

As Ciências Humanas está salva dos grilhões impostos pelos incautos terroristas, sobreviventes da última cruzada, e além do mais dos frankfurtianos vinis que ainda tocam nas paradas de sucesso acadêmico? Nietzsche preciso/impreciso, foi o caminhante de todos os séculos que afrontou a boa conduta do Iluminismo. A genealogia da comunicação na modernidade será desafiada pelas novas formas de compreensão do presente.
A cultura moderna está a um passo do fim. Nietzsche não proferiu isso, não escreveu, mas o filósofo minou o seu tempo com as marteladas endereçadas ao seu tempo. O tempo da solidificação, da certeza da razão contra as incertezas do ser.
A terra não era vista por satélites mas pensada por espíritos livres. Nietzsche é o espírito pré-moderno. Deu o nó na razão da filosofia dos espíritos livres. As grandes revoluções aconteceram e ainda estarão para acontecer? O filósofo mostrou o quanto foi preciso ser impreciso diante dos pensamentos revolucionários.
A modernidade na tentativa de buscar a totalidade do sujeito, em uma perspectiva ontológica, colocou a idéia de sujeito na projeção de futuro.
Para a Teoria Crítica, a modernidade é o caminho para o homem-sujeito construir a sociedade, e assim se tornar indivíduo. Nas tentativas de amarrar a idéia de razão livre, herdeira da tradição boa do iluminismo, os pensadores da Escola de Frankfurt deram continuidade ao projeto emancipatório do sujeito. Mas sem antes de conceber um projeto crítico sobre o conceito de cultura. Não. Até a isso foram precisos.
Comandado por Adorno e companhia, se pretendeu fazer a exegese filosófica do homem com relação à indústria cultural. Noutra perspectiva os frankfurtianos, no ideário marxista, implantaram a crítica ao capitalismo e os rumos da humanidade.
O capitalismo já não era só a livre iniciativa, agora entrava na competição corporativa. A razão instrumental é o controle por excelência do homem na sociedade capitalista.
O pensamento da escola crítica ganha adeptos até em sua tentativa obtusa de torná-lo um pensamento atualizado.

terça-feira, 14 de agosto de 2007


O homem nômade ergométrico (parte 2)


O homem nômade, ergométrico, é aquele que consiste em andar em uma esteira ou pedalar uma bicicleta ao mesmo tempo em que a atividade do coração está sendo monitorada com um eletrocardiograma em momentos de repouso do nômade. Ele é o mesmo que vive na rua, é notívago e de seu computador a única coisa que faz é construir palavras e observar o mundo que não lhe pertence. É o mesmo homem que não procura mais Eldorado, não por falta de tempo, mas por excesso de outras formas de ver o mundo e experimentar. Ele poderá estar sempre com um pé na estrada ou chegando ao mesmo lugar, onde nunca arreda uma palha para se mexer. Maffesoli dirá: “A aventura, assim como os imaginários, os sonhos e outras visões sociais, é um filão escondido percorrendo o conjunto do corpo social”.
O nômade ergométrico se comunicará com o mundo de forma aleatória, se um dia resolver ficar em casa cuidando, escavando, através do virtual, seu Eldorado, ele poderá sair no meio da noite ou plena luz do sol. Apenas para viver e mudar seu contato com os extremos do mundo exterior. Sem nunca deixar de ser errante, esse nômade poderá ficar trancado em sua casa conversando com todos os continentes e ao mesmo tempo se preparando para uma investida no cotidiano, no corpo social, na cidade, nos cafés. Esse homem poderá fazer de sua toca, seu labor e sem precisar resolver os problemas cruciais do mundo, ainda sim, poderá contribuir para despoluição do rio Tietê ou desmatamento da selva Amazônia. Ou melhor, tomar mate no brique da Redenção aos domingos sem tirar os olhos da tela e o ouvido do tempo que o consome todas as manhãs músicas que possam renovar as cargas de seu repertório. É a passagem do ato de representar diante da realidade para o simples e prazeroso ato de apresentar-se no mundo. O homem do século XXI sai de viagem e se perde, pensa na pobreza e alimenta diariamente o corpo com tudo aquilo que lhe dá prazer. Esse homem nômade é o que poderíamos dizer também o que Simmel via na condição humana e na perspectiva de um errante solitário, nomeado de flâneur por Walter Benjamin. Maffesoli transporta para o nosso tempo o flâneur do Baudelaire no errante nômade que testemunha e vive em todos os lugares, e ao mesmo tempo não é do espaço que flana um espectador é sim das horas vagas de seu tempo que mede entre os pontos imaginários de sua vida

quinta-feira, 26 de julho de 2007


A tristeza dos corações nas estações

“Após tanto pathos sexual, eis agora o neopatético da relação amorosa. Depois do libidinal e do pulsional, eis o neo-romantismo da paixão.” Jean Baudrillard, As Estratégias Fatais.
Foto de Baudrillard que acompanha o livro "O Anjo de Estuque".




A tristeza é assim, invade nossas vidas durante a madrugada, não pede licença e faz logo um estrago. Recorremos a todos os artifícios para enganá-la antes que o dia amanheça. A tristeza não tem sexo, embora sempre libidinosa afronta com suas propostas para irmos atrás do sensato ombro amigo.
A tristeza nos faz chorar, nos rouba o que temos de mais precioso, as lágrimas sinceras que teríamos para o próximo namoro, mas é assim a tristeza: vive pregando peças aos que ainda sonham e aos que já esqueceram de que a paixão era uma armadilha. A tristeza nada tem a ver com histórias assim, ela é uma fonte de renda para farmacêuticos, donos de bares, donos de livrarias, lojas de discos, mas nunca tem a ver com o fim dos namoros. Embora conheça gente que terminou sua história porque a vida andava triste demais e ao lado de seu amor a tristeza se estabeleceu como febre malsã. A tristeza levou a culpa. Os dois continuaram tristes em suas novas relações, foi o que fiquei sabendo mais tarde. Deus me livre desse tipo de namoro e desse tipo de pessoas.
A tristeza vira diarista, limpa a casa, apaga vestígios de uma história. Desfaz a cama, abre uma garrafa de vinho e não permite mais nenhuma lágrima. Ela também pode ser sensata nessas horas. Mas a tristeza não tem forma, não tem cheiro e não sente melancolia. Ela só existe quando não precisamos de pessoas tristes. Belo dia, ali em nossa porta, está ela encostada na parede, no corredor do prédio nos esperando para entrar, para sair, para ir ao cinema e mais ainda, nos jogando para a próxima paixão.
É isso, a tristeza não tem compaixão. Ela é inominável porque não tem lábios, não tem mãos e não tem um rosto em que se possa ver a reação dela quando estamos conversando e falando da vida, dos temores, dos sonhos. Ela não ouve, ela nos impulsiona para ação. Mudamos a face, o sorriso, o estado de humor, cortamos os cabelos, vamos à igreja, ao pai-de-santo e não desistimos porque a tristeza não nos dá trégua. Sabe por que? Ela é o contrário da entrega total dos pontos.
A tristeza, embora não tendo coração, sendo a voz desnaturada, sem coração, ela também serve para nos tirar do sossego melancólico dos dias que planejamos nos vingar de alguém. A tristeza é esperta porque não sente dor. Se tocarmos qualquer extremidade ― do imaginário corpo ―, se chegarmos perto dela demais poderemos compreender o quanto a tristeza é triste porque nunca alguém ousaria pensar além de procurá-la para chorar e sim para ser feliz um pouco.
A tristeza se meteu numa enrascada nesses anos todos. Falou, pensou em excesso e depois se deu conta que ficou madura demais e hoje só dá conselhos milenares, como se fosse uma bruxa, um guerreiro e só quer ir em frente, capturando corações sonhadores. Ela é sádica. Incapaz de chorar ao lado dos que amam ou daqueles que perderam um amigo e dos que andam perdidos no deserto da razão que a vida nos impôs esses anos todos.
A tristeza, meus amigos, ela deveras, não tem coração, não tem mão e braços longos para nos abraçar e nos salvar de qualquer coisa, penhasco ou ladeira abaixo. É por isso que só a encontramos quando estamos tristes e sozinhos.
Mas não se assustem. A tristeza não causa mais estrago do que o ódio, do que a insensatez, do olhar frio em sorriso dissimulado quando encontramos alguém que nos convida para preencher o tempo, porque exatamente essa pessoa é que morre de medo da tristeza. Não se assustem amigos, a tristeza tem raios infravermelhos e pode ler os olhos de quem se ocultam nos óculos escuros. Ela é nossa aliada de vez em quando. Mas nem cogite em viver por muito tempo com ela, porque não é do seu feitio viver ao lado das pessoas por longos anos. Depois que ela perceber que já estamos nos livrando da dor, ela pega suas coisas e se manda de nossas vidas.
Então, meus amigos, enfrentem a tristeza com a cara lavada, com vontade de acordar, mesmo que seja triste ter que levantar no meio da noite e chorar um pouco e fazer perguntas sem repostas. Breve você perceberá que a tristeza não diz adeus jamais. Ela é implacável até na despedida.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Metáforas da Pedra



“Por isso seu Decreto de Aço
Como dois Pólos nos fez sós
(Embora o Amor como um compasso
Circunde o mundo todo em nós),
A menos que o Céu oco caia,
A Terra perca o seu Império
E o Globo inteiro se contraia
Para nós dois em Planisfério.”

Andrew Marvell (1621-1678)
Transtradução de Augusto de Campos



Esse coração despedaçado mais parece uma couraça blasé sobre a pele morena. Onde morava o Ser agora mora o espectro digitalizado de um beijo frio. Nem mesmo as Bachianas te move dos lençóis dormidos. Ainda bem que hoje é sábado. A noite dos anos 80 é a mesma desse século. Só morre de tédio quem transforma o signo da vida em realidade. Sempre vivemos as possibilidades, acontece que nem sempre se pode contar com ela na solidão e que um coração se petrifica depois que perde o sangue congelado do último adeus.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

O homem nômade ergométrico (parte 1)




"E como os anjos não podem conceber o tempo, a idéia que eles fazem da eternidade é diferente da dos homens terrenos; eles entendem por eternidade um estado infinito e não um tempo infinito."
Robert Musil


Michel Maffesoli retoma à superfície das coisas enlaçando o homem nômade com as novas formas de se mover sem precisar sair do lugar, e ao mesmo tempo estar em todos os lugares. Eis os aspectos que marcam e legitimam essa abordagem sociológica e filosófica que se apresenta no nomadismo do século XXI. Da ordem da representação para a ordem da apresentação é que o signo do presenteísmo aparece.
Quanto mais a humanidade caminha a passos largos, através da idéia de progresso, pelo rastro ordenado do racionalismo, mais esses ideais passam do plano possível e retornam à velha metafísica da modernidade. Aquilo que nunca se desfez em nome de uma razão, em nome de uma verdade última é o que se jogou na lata do lixo do Ocidente. Assim como se busca legitimar a verdade, também se tenta negar todo desvio advindo do cotidiano, do homem, do ludismo, do prazer individual para salvaguardar, em uma tentativa, religiosa e moralista, os pressuposto do homem arranjado para o futuro, pronto para ir além da razão sensível.
A supervalorização do ideal humano. A afirmação do sujeito eivado pela razão e por uma ética nos moldes de Kant. É aqui que o sociólogo e pensador da pós-modernidade e do cotidiano dá seu tiro certeiro. Sua crítica engajada e anárquica vê na sociologia compreensiva, na tradição de Simmel, um instrumental filosófico para discutir com a modernidade que sua tese sobre a pós-modernidade é mais uma verificação, a constatação de um novo tempo, do que um desejo, no qual seus críticos insistem, no desespero por estarem órfãos, em lhe atribuir o irracionalismo.
Surge o novo tipo de nomadismo, um tipo de homem que está em intenso retorno e partida de sua própria casa. Aparece em cena o homem nômade ergométrico. Um novo tipo de homem que vê no real nada mais do que ideal daquilo que não se pode e nem se conseguiu criar para gerações futuras: um futuro garantido e redentor. Estamos à deriva, em tribos, conectados, saindo ou não de nossas cavernas virtuais, mas estamos prontos para circular entre todos os cantos do Planeta. Estamos experimentando esteticamente o retorno ao gozo, e não mais a projeção ao futuro. Isso aproxima e afasta um tipo de homem-social, mas une e abraça um homem desprovido de um ideal apenas. Aproxima à socialidade entre a comunicação e os povos mais distantes e rejeitados dos homens. O ideal de homem está morto nas próprias armas da modernidade: sua crença cega na verdade.

terça-feira, 10 de julho de 2007


Metáforas de cinza

“Ela não imagina que deixou uma esteira de poemas tristíssimos e um rastro de dor e lágrimas. Como nos boleros. Não sabe. E não vai saber nunca, porque não vou lhe dar esse gosto.”
Pedro Juan Gutiérrez
“Você me fez rir. Apenas isso, mais nada. Você abriu alguma coisa dentro de mim e depois disso se transformou no meu pretexto para continuar vivendo”.
Paul Auster

Uma dor pulverizadora é uma dor onde não se tem mais espaço para lágrimas. Onde não é mais possível dizer: ela usa batom vermelho, o carro tem a cor do escuro dos olhos e a lua não apareceu. Uma dor pulverizadora é a dor onde tudo vira cinza. Onde o sorriso no rosto ficou no tempo, atrás, quem sabe da lua que não saiu. Uma dor que vira cinza é um signo sem vida, é a perspectiva do nada no vazio do tempo. Uma dor assim nos transforma em uma simples caixinha onde guardam as cinzas.
Uma dor pulverizadora não esconde as lágrimas que se misturam à chuva de inverno que bate em minha janela. Toda dor se confunde com a doença, com o amor perdido e com a ilusão de ser mais uma cor brilhando na noite sem lua. Depois do amanhecer não lerei mais poemas em seus braços, mas a dor ali permanecerá. O instante em que as cinzas caem sob o chão frio é o instante de meu adeus.
Taciturno, não afagarei mais minha dor em seus braços endurecidos pela luta da vida, pelo tempo que teve que carregar os filhos nos braços. As viagens, as despedidas sumiram no tempo das cinzas e agora restou minha lágrima de criança inundando os olhos que insistem em fazer das cinzas o esquecimento de um tempo que não nunca foi nosso.
Uma dor incrustada na alma é mais que olhar todos os espelhos em torno dos olhos secos pelo sol do fim de tarde. Percebo em volta do corpo que ainda repousa em minha cama, com a maciez da pele, a bunda virada para mim, os braços dobrados sobre o rosto. O silêncio diante dos amantes é tão triste quanto o som que absorve os apelos de um soluçou sozinho na transa, “Se erguer os olhos vai ver um clarão. Acima de sua cabeça, a manhã iminente está clareando o céu: o que lhe sopra no rosto é o vento que move as folhas.” (Italo Calvino, Sob O Sol-Jaguar, p.89).
As vozes fundem-se no silêncio e no odor dos corpos que descansam. O primeiro que se levantar irá partir sem dizer adeus. Essa é a única palavra proibida na metáfora dos amantes que usam os “ais” no lugar dos “ois”. Nada mais é espanto de não ser ter sentido o que só pode existir na hora da partida. Há sempre um filme novo passando na cidade.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

A fenomenologia das imagens

“As sílabas recolhidas pelos lábios — belo silencioso círculo — ajudam a estrela rastejante em seu centro.”
Paul Celan

Os sentimentos andam ao lado de nossa vontade. Nossos desejos não são alterações meteorológicas e sim psíquicas. São funções de nossas percepções e sonhos. Um cruzar de idéias que percorrem o tempo de nossa existência. Esse cruzar complexo, onde mora o único valor, o que pode nos manter vivos todas às manhãs quando acordamos. É o acordar do “trajeto antropológico” sob as imagens que circulam nosso Ser esse tempo todo. Sonoridade na dor, na despedida e nas chegadas das imagens. O encontro do vivido com o que buscamos mais adiante do olhar.
Meus sentimentos começaram antes do século XX findar. Bem antes, quando ainda sentia poder encontrar através das imagens todas as linguagens que fossem o expressar do cotidiano. O cotidiano lançou seus dados Mallarmaicos que impulsionaria as inspirações nos signos de hoje. Assim acordei pensando em Octavio Paz no seu Arco e a Lira, em que diz: “Não é a técnica que nega a imagem do mundo; é o desaparecimento da imagem que torna possível a técnica”.
As palavras tomam conta dos dias. As gerações, eu leio, incessantemente, me afasto a cada página lida. Fujo dos absolutos. Entrego-me incessantemente à diversidade da vida, da dor, das paixões.
As palavras são mais do que razões para se ter, pensar sobre os objetos e sobre as possibilidades da verdade. Muito mais, elas, agora, a linguagem, o signo me levou para o distante das utopias. Joga-me no deserto dos saberes, da desilusão e do fim de um tempo que se abre ao novo. De outros: do fim dos fins. Sempre a jogar, as palavras verdadeiramente à vida do fluxo e refluxo da dialógica dos acontecimentos.
Um olhar fenomenológico é posto acima disso, do que está dado, é um complexo religar as imagens do cotidiano. À deriva, ao sabor do presente e de todos os tempos, as imagens são verdadeiras como “as noites que fixam sob o teu olho”, escreveu Paul Celan.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

L’Amour em Fuite




“Toda vida é um processo de demolição.”
Scott Fitzgerald



Nos encontramos pela última vez na saída de uma sala de cinema. Eu e Sofia tínhamos vivido um amor ainda quando jovens. Eu tinha 25 anos e Sofia tinha acabado de completar 22 anos. Olhei, diante do ombro de um cara com a namorada, Sofia e um sujeito. Talvez o seu namorado. Soube dias depois que se tratava de um cineasta em ascendência, e que tinha ido buscá-la em São Paulo. Até isso o cara fez a mais. Eu tinha ido ao inferno por todo amor que deixei o tempo sugar das minhas entranhas. Todo caso, ela me olhou de soslaio. Sorriu. Talvez pelos meus quase 40 anos, pelo meu jeito de idiota, sem nenhuma garota naquele momento. Sofia caminhou em direção ao café, eu a segui, e perguntei o mais óbvio e patético, - Como tu estás bem. Nem parece que o tempo se alojou em tua pele. O mesmo sorriso, o teu cabelo comprido, assim fica melhor do que a última vez que nos vimos. Ela responde – Antoine, a última vez que nos encontramos tu estavas irreconhecível e com olhar de quem fugia, de quem esperava alguma pessoa ao mesmo tempo. Acho que tu estavas muito bêbado. E como eu estava com o cabelo do mesmo jeito. Sei lá... Isso já faz dois anos, né? Chega de rodeios, o que pretendes? Já não chega... Nesse momento chega um sujeito mais velho que eu, porém bem vestido, e como um velho pergunta se está tudo bem. Eu dou um sorriso e saio em disparada. Vou à rua como a primeira vez que tinha encontrado Sofia. Sem sentir direito as pernas, caminho em direção a minha casa, o único lugar seguro em que posso ouvir Coltrane e Hartman. Torpe são os sujeitos que perguntam, diante de uma mulher, o que um outro está ali interpelando. Deu vontade de voltar e dizer algumas verdades. Mas não havia mais verdades a serem ditas. Tinha vivido um amor maiakovskiano, rilkeniano, e agora só restava o olhar vazio. Atordoado, ainda pensando no filme que tinha assistido e esbarrava na velha paixão. Fui diminuindo o passo, aos poucos comecei a pensar em Truffaut. No filme que assistimos juntos, Choramos juntos na possibilidade do amor dar certo. Talvez tenha dado certo, sim, ontem mesmo eu vi uma garota chorando na rua por ter brigado com o namorado. Parei. Olhei para ela e disse: -esse cara gosta de ti. Não importa que ele te deixe assim na noite, na realidade será dele a lágrima final.
Uma homenagem ao cineasta François Truffaut e ao filme «Amor em Fuga »
Jean-Pierre Léaud : Antoine Doinel
Claude Jade : Christine Doinel


Luis Gomes

quinta-feira, 28 de junho de 2007




Sophie Calle
Sophie Calle, personagem real de P.Auster, ficional de Maria, real de Leviatã. Sua história se confunde, mescla-se à escritura de Auster. Aos seis anos despia-se no elevador e depois circulava nua pelo corredor de seu prédio até a porta do apartamento. Suas histórias sui generis passam do tempo real para o imaginário do escritor que em Maria Tuner ele escreve: “Tudo está ligado a tudo, todas as histórias se encadeiam a todas as demais histórias”.
“Maria era uma artista, mas seu trabalho nada tinha a ver com a criação de objetos comumente definidos como arte. Alguns a chamavam de fotógrafa, outros se referiam a ela como uma conceitualista, outros ainda a consideravam uma escritora, mas nenhuma dessas definições era exata e, no fim não creio que possa ser catalogada de alguma maneira. Seu trabalho era extravagante demais para isso, idiossincrático demais, pessoal demais para ser visto como pertencente a qualquer veículo ou disciplina particular”. (Auster, 2001, p. 83)
Nos anos 80 Sophie mandou sua cama para um leitor. Ele tinha que usar os lençóis, sua dor, seus amores no lugar dela. Recentemente na Torre Eiffel, lá estava ela deitada em uma cama enorme e convidava as pessoas que deitassem ao lado e contasse cinco minutos de sua vida. Histórias de insônia.Em 2003 publicou um livro na França, Douleur Exquise pelo Atelir Graphique Actes Sud, 281 páginas, 28 Euros. Autora de um livro que faz parte de uma série da editora Actes Sud, a Doublé Jeux, texto em que traz fotos e relata trabalhos inusitados de artistas convidados. Cineasta de um único longa, No Sex Last Night.

Metáforas da idade


Evgen Bavcar


Esse coração despedaçado mais parece um olhar blasé sobre a pele morena. Onde morava o Ser agora mora o espectro digitalizado de um beijo frio. Nem mesmo Erik Satie move-a dos lençóis dormidos. Ainda bem que hoje é sábado. A noite dos anos 80 não é a mesma desse século. Só morre de tédio quem transforma o signo da vida em realidade.
Sempre vivemos as possibilidades, acontece que nem sempre podemos contar com ela na solidão de um coração que fica depois que perde o sangue que congelou no último adeus. As viagens da vida não ultrapassam as dos sonhos, diria uma mulher solitária a ouvir o som do mar enquanto cuida sua filha que brinca na areia. As últimas aventuras poderão nascer desse olhar mas a cada ano ela se renova ao olhar de sua filha que cresce nas areias da praia. Então, como pensar em na sua vida, na integridade de seus sonhos, se nem eu mesmo consigo encontrá-la pra ver sua filha brincar ou chorar em seus braços? A contar pelos dias que vivemos juntos, somando aos nossos distantes silêncios de meses, essa mulher acumularia todos os adeuses do mundo pela falta que eu fiz em sua vida.
Esse era o meu sonho, o de simplesmente ficar ao seu lado enquanto sua filha brincaria nas areias dessa praia.
Será que ela precisa de elogios para me ver partir com mais rapidez? Precisaria reunir todas as espécies marinhas, os nativos da praia, as crianças e a filha para acenar enquanto eu sumiria no silêncio de sua dor, mar aberto do tempo.
Seus dias sempre nascerão entre as paixões, filmes, livros, músicas e amigos. Os dias fazem isso, cada vez que pensamos que o tempo nem nos brinda com um beijo nem sempre é o mesmo beijo. Acontece que ouvir o som que vem do mar, o silêncio plantado pelas perdas em nossos corações dá o tom dos dias seguintes e se sentir sozinho é a condição do estar vivo entre os que vivem distante.
Saberei entender essa mulher quando não mais encontrá-la, porque talvez ela tenha ficado nos olhos tristes e pequenos que esconde o zelo que tem por sua filha.





terça-feira, 26 de junho de 2007

A partilha dos sentimentos na hora da fome


Kandinsky  



“O ato de arrancar a máscara de outra pessoa é punido com sentença de morte. Durante o seu período de atividade, ela é intocável, invulnerável, sagrada. O que existe de certeza na máscara, sua facilidade de compreensão, está carregado também de incerteza.” (Elias Canetti
) 


É como se dividíssemos o alimento, feito alcateia movida pelo prazer de comer a presa. O lobo se alimentando de sua presa é a tentativa de arrancar a máscara dos personagens que sobrevivem diante do telespectador, mas a fome entre todos existe e nunca nos sentiremos satisfeito com o alimento que existe a nossa disposição. Logo queremos mais. A liberdade é o espelho dos que, nus, se encaram como se pudessem dizer ao mundo, “olhem, como sou livre!” A vida se metamorfoseia entre a fome e o desejo de ir devorando sua liberdade. 
As pessoas sensíveis são presas fáceis aos lobos, mas o que impressiona são as fêmeas, lobas, sem distinções, devorando seu alimento e esquecendo que também são mulheres. Apenas uma metáfora do existente com o desejado, porque entre o “estado final da metamorfose” diria Canetti, é o “personagem” e não pode ser confundido com o “gênero” ou “espécie” que a ciência moderna costumou a delimitar. Não tem limite para se manter a máscara, a deusa com cabeça de vaca, o Thot, um homem com cabeça de íbis. Tudo se resolve nas trocas e na reserva de sentimentos que os humanos têm para suas viagens ao desconhecido. 
Assim somos na vida, personagens livres que nos mostramos e nos ocultamos diante do outro, daquele que supostamente serve de nosso companheiro. Como se sentíssemos a falta do lar, do aconchego e lá retornássemos saciados das viagens e cansados, sem antes, é claro, de não realizaremos a metamorfose final, porque temos medo que a máscara caia. Somos parte dessas faces entre os rostos limpos e os que mantêm a máscara viva e retomo a questão dos que nos fazem obter com maior facilidade o nosso alimento, a partilha da carne, dividida entre a alcateia, onde cada um se alimenta para saciar a fome e não para salvar a sua pele.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

“O importante é limitar-se àquilo que é dado na realidade, àquilo que existe nos fatos."
Lou Andreas Salomé

O real e o imaginário são as mesmas coisas, o real se dissipa no imaginário. É o que penso. É óbvio que a Salomé se referia há uma realidade, dela, ao alcance dela, do que ela, só ela poderia tocar. Alcançar. Não a que toco ou penso. Essa é a magnitude das frases escritas por outros que nos apropriamos. Nossas epígrafes, amuletos da linguagem marcada em nossos corpos, tatuadas, gravadas na nossa memória como se fosse um adeus com estilo, dito da voz que nem menos se esperava. As frases quase nunca, quase sempre demonstram algo. Talvez sonhemos com isso e não conseguimos nunca isso, a perfeição de entrar nas metáforas vindas do outro lado da margem. A vida, a metáfora dos outros é como estivéssemos lendo sempre um romance, uma filosofia da subjetividade do Outro. É como nos jogar no impenetrável caminho do Outro.

Maquinaria de Linguagem





          Picabia - Hera


“Pode-se dizer que a terceira força da literatura, sua força propriamente semiótica, consiste em jogar com os signos em vez de destruí-los, em colocá-los numa maquinaria de linguagem...”
Roland Barthes



As possibilidades de escrevermos as palavras de um Blog são partes da diversidade que nos é dada pela “maquinaria de linguagem” no sentido de jogarmos com os signos, de permitirmos que entrem no emaranhado das interpretações, e que percorram os escritos esquecidos, queimados sobre os olhos, e que não descansam nem quando ama. “A Invenção da Solidão”, romance de Paul Auster, "a recordação mais remota: sua ausência". Assim as palavras tomam o lugar definitivo dos outros, preenche a tela, o cinema com os mitos de nosso imaginário é uma parte do que passa aos olhos na escritura do pensar.
O que move é o que queima, acende o fogo do instante perdido das imagens.

   

Passagens

        Brassaï - Pont Neuf, Paris (1949)     “ As ruas são a morado do coletivo.” Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cru...